Autismo: Diagnóstico precoce é fundamental para estimular crianças na comunicação e socialização

Sinais de autismo normalmente aparecem no primeiro ano de vida e sempre antes dos três anos de idade.

A desordem é duas a quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Doença atinge 70 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, são cerca de 2 milhões.

Deiseone Matilde Verônica tem 34 anos e há sete ganhou sua primeira e única filha, Thaiane Fernanda Verônica. Quando a garotinha completou seis meses de vida, a mãe começou a desconfiar que havia algo errado em seu desenvolvimento.

O primeiro temor era de que o bebê fosse surdo, já que Thaiane era muito parada e quase não se mexia.
O exame de audição não apontou problemas, mas por outro lado os pais descobriram que a moleira da criança já estava fechada e a pediatra pediu que a mãe esperasse para monitorar a evolução da filha.

Deiseone esperou até que ela completasse nove meses e voltou a procurar especialistas.

Quase com 2 anos, Thaiane deu os primeiros passos.
Mas só aos 3 foi encaminhada ao Sistema Único de Saúde (SUS), onde um psiquiatra deu o diagnóstico: a menina sofria do transtorno do espectro autista.

“O diagnóstico precoce foi muito bom para minha relação com Thaiane, pois o contato físico e visual dela melhorou e acho que isso também ajudou na socialização”, diz Deiseone. Ela conta que tem uma boa comunicação com a filha. Ela me pede água, pede copo e anda normalmente. Tento proporcionar um bom ambiente para minha filha.
Vou com ela à terapia comportamental-cognitiva, fonoterapia e terapia ocupacional.
Levo Thaiane na escola e, como é longe, fico lá esperando”, conta a dona de casa, que vive em função da filha.

Tema constantemente debatido por especialistas, o diagnóstico precoce do autismo – que, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, atinge 70 milhões de pessoas no mundo e no Brasil cerca de 2 milhões -, ainda não é consenso entre os profissionais da área médica.
Vem ganhando força porém a tese de que iniciar uma intervenção o quanto antes, quando a criança apresenta os primeiros possíveis sintomas, ajuda os pais a ganhar um tempo precioso para estimular o cérebro de seus filhos portadores do problema.
De acordo com Fábio Barbirato, psiquiatra da infância e da adolescência e coordenador do Serviço de Atendimento e Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, hoje é possível detectar o autismo numa criança entre 12 meses e 18 meses de vida.
Para isso, porém, é preciso profissionais treinados.

“Há 20 anos, quando comecei a conhecer a psiquiatria da infância, não se falava em diagnósticos antes dos 5 anos de vida”, lembra o psiquiatra. Segundo ele, há 10 anos, apenas uma criança de até cinco anos era atendida por mês em seu consultório e no serviço de saúde.
Hoje são em média 20 crianças por semana no consultório e outras 20 no serviço de saúde.
Para Barbirato, isso ocorre porque os pais estão perdendo o medo de encarar o problema e levando seus filhos mais cedo ao consultório psiquiátrico.

O autismo, de fato, é uma doença de diagnóstico difícil, que apresenta sinais raramente conclusivos. Quanto antes os pais levarem seus filhos para avaliação médica, melhor.
Uma abordagem desse tipo adotada por pesquisadores do Davis Health System, ligado à Universidade da Califórnia (EUA), vem, aparentemente, eliminando sintomas e atrasos no desenvolvimento de crianças autistas que receberam estímulos específicos a partir dos seis meses.

Autismo: Diagnóstico precoce é fundamental para estimular crianças na comunicação e socializaçãoPublicado no Journal of Autism and Developmental Disorders, o estudo aplicou a terapia chamada infant start (início da infância) em sete crianças diagnosticadas com o transtorno.

De acordo com os pesquisadores, o programa busca alterar seis comportamentos que podem ser observados nos primeiros meses de vida: fixação visual em objetos, repetição anormal de movimentos, ausência de atos intencionais de comunicação, desinteresse na interação social, desenvolvimento da fala abaixo do esperado e baixa resposta a interações afetivas pelo olhar e pela voz.

Para implementar a estratégia, os médicos contaram com a participação de importantes aliados, os próprios pais dos pequenos pacientes, que se transformaram em verdadeiros terapeutas dos bebês que tinham entre seis e 10 meses quando começaram a ser tratados.
“A mãe e o pai estão ao lado das crianças todos os dias e é nos pequenos momentos, como a troca de fraldas, a hora de comer, os passeios e as brincadeiras, que eles influenciam no aprendizado dos bebês”, explica Sally Rogres, uma das autoras do artigo.

Arthur Kummer (foto ao lado), psiquiatra de crianças e adolescentes e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que “o conceito de autismo vem sendo lapidado. A definição atual ressalta que a principal alteração provocada pelo autismo é na habilidade comunicativa.
Essa observação vem permitindo a definição de diagnósticos com mais frequência e de casos mais leves”.

Comportamento

Pesquisa do governo americano mostra que o número de casos de autismo em 2010 (últimos dados disponíveis) aumentou quase 30% em relação aos dados anteriores (de 2008), quando se apontava que havia um caso para cada 88 crianças e quase 60% em comparação com 2006, quando foi registrado um caso para 110 crianças normais.

A maioria das crianças foi diagnosticada após os 4 anos.
Em 2010, essa relação subiu para uma em cada 68 crianças com 8 anos de idade.

Os números são do CDC (Center of Diseases Control and Prevention), órgão máximo do governo americano para a saúde.

Autismo: Diagnóstico precoce é fundamental para estimular crianças na comunicação e socializaçãoSegundo Barbirato, o espectro autista tem basicamente duas características: na socialização e na comunicação (a criança não fala, nem aponta o que quer, ou fala mas não tem reciprocidade social; algumas podem melhorar a linguagem, mas não conseguem manter um diálogo) e as alterações de comportamento.

Entre elas, pode haver uma inflexibilidade com mudanças na rotina, movimentos estereotipados (repetitivos com as mãos ou mexer o corpo de forma anormal), e um interesse não usual na intensidade ou no foco (por exemplo, ficar aficcionado por palitos de picolé).

“Quando a intervenção é realizada em crianças menores de 3 anos, a melhora é de 80%. Aos 5 anos, cai para 70%, e acima disso fica muito prejudicada”, observa.

Números recentes

Os recentes números de estatísticas do autismo entre a população dos Estados Unidos e da Europa apontam para a existência de um aumento do número de casos diagnosticados com autismo.
No ano de 2012, o CDC (Centro para Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA, publicou o resultado de uma pesquisa realizada naquele país até o ano de 2008, apontando para os números de 1 caso de autismo em cada 88 crianças de 8 anos.

Em 2013, o mesmo órgão publicou os dados de uma pesquisa realizada entre 2007 e 2012, informando a incidência de 1 a cada 50 crianças de 6 a 17 anos nos EUA.

A desordem atinge indivíduos de ambos os sexos e de todas as etnias, classes sociais e origens geográficas.
A incidência é maior entre o sexo masculino, quase 5 vezes mais comum em meninos do que meninas.
Atualmente, nos EUA, estima-se 1 caso de autismo a cada 54 meninos e um caso de autismo em cada 252 meninas.

Mitos e verdades

Mito – O problema é causado pela relação mãe e filho.

Verdade – Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento de forte base genética.

Mito – A criança não aceita afeto ou beijos.

Verdade – Sim, pode aceitar.

Mito – Ou a criança é superinteligente ou tem grave défict intelectual.

Verdade – Pode haver uma supercapacidade de memória, mas o autista se concentra num interesse só.

Mito – Dietas podem controlar o autismo.

Verdade – Não existe comprovação científica sobre isso

Risperidona

Na última sexta-feira, o Ministério da Saúde anunciou que vai disponibilizar, pela primeira vez no Sistema Único de Saúde (SUS), o medicamento risperidona. A substância age na irritabilidade e agressividade, sintomas comuns no autismo. O ministério estima que a medida será capaz de beneficiar 19 mil pacientes ao ano.

O remédio é usado para tratar as chamadas psicoses. Isto significa que ele tem um efeito favorável sobre um certo número de transtornos relacionados ao pensamento e às emoções.

De acordo com o fabricante do remédio, a Risperidona é indicada para o tratamento de transtornos do comportamento, para pacientes com demência nos quais os sintomas como agressividade, transtornos psicomotores ou sintomas psicóticos são comuns.
Além do uso em pessoas com autismo, o medicamento é usado para os tratamentos de esquizofrenia e transtorno bipolar.

A risperidona é um antipsicótico que age como antagonista dos receptores da dopamina e serotonina. Faz parte do grupo de antipsicóticos usualmente chamados de atípicos ou de segunda geração, os quais são reconhecidos pelo menor risco de incidência de efeitos extrapiramidais comparados aos antipsicóticos de primeira geração.

O sistema extrapiramidal é uma rede de neurônios localizada no cérebro humano que faz parte do sistema motor envolvido na coordenação dos movimentos.

E os efeitos extrapiramidais ocorrem porque os medicamentos chamados de antipsicóticos afetam os efeitos da dopamina no cérebro.

Atenção: crianças podem tomar medicamentos psicotrópicos?

O tratamento de transtornos mentais em crianças e adolescentes é bastante complexo e exige postura bastante cuidadosa por parte do(s) profissional(ais) que o realiza(m). Os plurais se referem à tendência cada vez mais forte do trabalho multidisciplinar, com vários profissionais contribuindo para o diagnóstico e tratamento de necessidades múltiplas.

A avaliação cuidadosa exige que se use parâmetros psicológicos, fisiológicos e sociais, para detectar as dificuldades que cada criança/adolescente apresenta.
Transtornos psiquiátricos são definidos a partir de alterações no humor, na cognição e/ou no comportamento que afetam significativamente vários aspectos do funcionamento e desenvolvimento da criança/adolescente.
As várias dimensões do transtorno devem ser avaliadas e levadas em conta no momento de se escolher os recursos terapêuticos a serem utilizados.

O tratamento farmacológico se destina a controlar sintomas específicos, auxiliando o benefício de outras intervenções terapêuticas.

Por exemplo, uma criança pode estar com tal grau de desatenção e hiperatividade que não consegue ficar sentada na sala de aula e aprender.

Encaminhada para seguimento com psicopedagoga pode apresentar as mesmas dificuldades e não conseguir aproveitar o tratamento oferecido.
Com o uso da medicação adequada, pode haver o controle dos sintomas de forma que a criança possa aderir ao acompanhamento psicopedagógico e se beneficiar com ele.

Por se tratarem de pessoas em desenvolvimento, o tratamento deve buscar não só o controle dos sintomas mas também o retorno ao caminho da evolução esperada para sua idade e contexto sócio-cultural.

A necessidade do uso de medicação para determinados sintomas-alvo deve ser constantemente reavaliada porque muitas questões se resolvem com o amadurecimento, outras se transformam e outras só vão surgir mais tarde.
O que é adequado em uma idade pode não ser em outra, a avaliação precisa ser abrangente e continuada.

Os objetivos do uso de medicação precisam ser bem discutido com o paciente e seus responsáveis, dentro das possibilidades de compreensão de cada um. Desde o começo é importante definir os sintomas-alvo, aqueles que se espera que a medicação ajude a controlar. Os possíveis efeitos colaterais também precisam ser esclarecidos antes do início do uso.
Alguns medicamentos exigem exames laboratoriais antes do início do tratamento e no seu decorrer.
O controle do crescimento em altura e peso também deve ser feito, pois alguns medicamentos podem interferir com apetite, metabolismo, ganho de peso.

Como são corpos que mudam, não só em tamanho, como em funcionamento, as doses devem ser ajustadas com frequência, para garantir efeito terapêutico e evitar os efeitos colaterais.

Todas essas questões devem ser discutidas logo no começo do tratamento, quando se estabelece um “contrato terapêutico” com o esclarecimento de todas as dúvidas e compromisso de todos os envolvidos: profissionais, paciente e familiares.
Uma relação baseada em confiança e compromisso de todos é o principal ponto de partida para um tratamento bem-sucedido.

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