Benzotropina: uma velha conhecida contra o Parkinson e a esclerose múltipla

Remédio que ameniza a rigidez muscular pode ajudar no tratamento de Parkinson. A benzotropina, substância usada para aliviar a rigidez muscular, também aumenta a quantidade de células que protegem o cérebro. A descoberta foi descrita na revista científica Nature por um grupo de cientistas.

Uma equipe internacional de cientistas acredita ter encontrado uma nova abordagem para tratar a esclerose múltipla (EM), doença inflamatória incurável que prejudica a comunicação entre células nervosas do cérebro e da medula espinhal. A mais recente inovação terapêutica, no entanto, é uma velha conhecida dos médicos.
Trata-se da benzotropina, princípio ativo utilizado no tratamento do mal de Parkinson.
A substância, segundo o estudo, induz a regeneração das bainhas de mielina, estruturas prejudicadas pelo sistema imune na EM.
Os resultados do trabalho, publicados hoje na revista Nature, podem facilitar o desenvolvimento de novas frentes de combate à doença.

Professor de ciências farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Paulo Fernandes explica que a benzotropina é um anticolinérgico – medicamento que “ameniza a rigidez muscular de pacientes que têm dificuldade de movimentação”. Ela atua no sistema nervoso diminuindo, inclusive, os tremores característicos do Parkinson.
“Os pesquisadores mostraram que, ao bloquear os receptores muscarínicos, o que alivia os tremores nos doentes de Parkinson, há um aumento das células que formam a bainha de mielina.
Não é claro ainda porque isso acontece e parece ser uma ação independente.
Outros anticolinérgicos com o mesmo perfil obtiveram resultados interessantes, mas não iguais a esses”, explica Fernandes.

Para chegar a esse resultado, cientistas do The Scripps Research Institute, na Califórnia, e da Hokkaido University, no Japão, examinaram, em ratos, os efeitos de diversas substâncias nas células precursoras de oligodendrócitos, responsáveis por sintetizar e manter a bainha de mielina no cérebro.
A equipe liderada por Peter Schultz descobriu que, além de a benzotropina estar entre os compostos mais eficientes na redução da severidade clínica em roedores com EM, o medicamento tem mais sucesso quando combinado com drogas imunossupressoras – que reduzem a atividade do sistema imunológico – atualmente utilizadas para tratar a doença .
 “Esses resultados fornecem a primeira evidência in vivo de que é possível obter mais benefícios no tratamento da esclerose múltipla a partir da combinação de um fármaco imunossupressor com outro medicamento que melhora a remielinização.
Estamos avaliando outros compostos com bons resultados para identificar outras substâncias que consigam induzir a remielinização por mecanismos distintos”, afirma Schultz.

Os autores mostraram, a partir de experimentos com células de ratos em cultura e cobaias vivas, que a benzotropina promoveu a diferenciação de oligodendrócitos in vitro e a reconstituição da mielina nas cobaias (veja infográfico). Os ratos tratados tinham duas doenças induzidas.
A primeira, chamada de encefalomielite autoimune, envolve a indução de uma resposta autoimune contra a mielina por um antígeno.
Na segunda, a toxina cuprizone destruiu a substância que protege as fibras nervosas do cérebro.
 “A benzotropina amenizou a doença e promoveu a remielinização nesses ratinhos.
Além disso, os autores relatam que, quando administrado de forma profilática, o medicamento aumentou a densidade de oligodendrócitos maduros no sistema nervoso central dos animais mesmo antes do início da doença”, diz Harmut Wekerle, diretor do Instituto Max Planck de Neurobiologia, na Alemanha.

Wekerle ressalta que os cientistas ainda não sabem se esse efeito é positivo ou negativo. Segundo ele, embora a maioria das lesões geradas na EM sejam permanentes, algumas mostram evidências de remielinização espontânea. “A renovação da formação de mielina, no entanto, permanece incompleta, com segmentos solitários e finos de mielina.
Outra fragilidade dos resultados é que a remielinização não se correlaciona diretamente com a severidade da doença”, observa.

Mais desafios

Denise Sisteroli Diniz, chefe do serviço de neurologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), ressalta que a esclerose múltipla tem dois componentes, o inflamatório e o degenerativo. Para o primeiro, há diversos medicamentos à disposição, mas o fator neurodegenerativo permanece sem soluções definitivas.
Segundo a médica, os remédios disponíveis previnem o surgimento de lesões, mas não atuam nas existentes.
“A grande questão hoje é desenvolver proteção neurológica.
Não queremos apenas evitar novas lesões.
Precisamos recuperar o que foi perdido.
Embora esse estudo seja muito incipiente, é nessa direção que a gente quer ir”, complementa Diniz.

Apesar de o efeito anti-inflamatório das terapias existentes permitir a regeneração do organismo, não há medicamento que faça isso ativamente. Diniz pontua que uma outra droga chamada antilingo 1 também promete os efeitos regeneradores observados na benzotropina, e ela está na fase clínica de testes.
“Os dois têm a mesma propriedade de transcrever a mielina, mas o antilingo já alcançou testes mais avançados.
Esse medicamento que está sendo testado com ratos chama-se cognizin e ainda não chegou ao Brasil”, compara.

Duas perguntas para…Wanda Pereira Almeida, professora Da Unicamp

Quais os níveis de eficiência dos remédios para doenças neurodegenerativas?

A descoberta de medicamentos para tratar essas doenças permanece um desafio. Dois outros aspectos devem ainda ser considerados. Um deles é a questão da evolução da doença, que vai destruindo o tecido nervoso e, consequentemente, os locais onde esses medicamentos atuariam.
O outro ponto é a resposta heterogênea dos pacientes: o que funciona para uns nem sempre funciona para outros.
Em geral, o que esses medicamentos fazem é melhorar a condição de vida do paciente.
É muito importante ressaltar que a eficiência dos medicamentos existentes para tratar essas doenças é maior quando o diagnóstico é precoce.

Que avanços esse estudo traz?

Os resultados apresentados são promissores. O fato de ser um medicamento conhecido faz com que o tempo necessário para que ele atinja o mercado para tratar outra doença diminua. As propriedades e efeitos da benzotropina são conhecidos em indivíduos saudáveis e em portadores da doença de Parkinson, mas não o são em portadores de Esclerose múltipla.
Por isso, estudos clínico deverão ser bastante rigorosos e cautelosos.

Pessoas com esclerose múltipla enfrentam o desafio de conter a redução da massa cinzenta

Rugas, alterações hormonais, queda do metabolismo, cabelos brancos. O processo natural de envelhecimento provoca uma série de mudanças na vida das pessoas, mas não é apenas o corpo que sofre as consequências do avanço da idade.
Ao longo dos anos, a atividade do cérebro também começa a se reduzir, como consequência da morte lenta e gradual dos neurônios.
Para quem sofre de doenças neurodegenerativas, no entanto, esse processo se dá de forma mais acelerada, o que inquieta médicos e cientistas.
A preocupação aumenta quando o assunto são as enfermidades que atingem os mais jovens, em especial a esclerose múltipla (EM).
Estima-se que esse mal atinja 2,5 milhões de pessoas no mundo, 30 mil no Brasil.

“A atrofia cerebral ocorre desde muito cedo em pacientes com a doença, ou seja, eles passarão o resto da vida perdendo neurônios de forma acelerada se nada for feito para frear o processo”, alerta o neurologista André Matta, professor da Universidade Federal Fluminense. Nas pessoas saudáveis, a redução varia de 0,1% a 0,3% a cada ano.
Já nos portadores de EM, a taxa gira entre 0,5% e 1%, velocidade três vezes superior.
“O processo está diretamente ligado ao nível de comprometimento dos pacientes e pode ser medido por meio de ressonância magnética”, explica Till Sprenger, pesquisador do Hospital Universitário da Basileia.

De acordo com os médicos, toda perda de volume cerebral gerada por doenças neurodegenerativas merece atenção, mas no caso da EM, o quadro é ainda mais preocupante, uma vez que ela atinge preferencialmente pessoas jovens. A primeira manifestação da doença costuma ocorrer entre 20 e 40 anos.
 Na esclerose múltipla, a redução da massa cinzenta se dá por meio de inflamações do tecido cerebral ou medular.
Nesses episódios, a mielina – substância que envolve e protege os neurônios – é danificada ou destruída e são formadas cicatrizes que impedem a transmissão dos impulsos nervosos.
A depender da região afetada pelo surto, diversos sintomas podem se manifestar, entre eles problemas motores, sensitivos e psicológicos.

Ameaça Iminente: a esclerose múltipla é uma doença neurodegenerativo, com incidência maior em mulheres jovens. Por uma falha do sistema imunológico, a bainha de mielino – substância que recobre e isola os neurônios – é identificada como um agressor e passa a ser atacada.
Áreas do cérebro, cerebelo, do tronco encefálico e da medula espinhal são afetadas por inflamação.
Os surtos são períodos de sintomas neurológicos muito intensos e bem definidos que se intercalam com períodos de estabilidade.
Até o momento, a causa da doença é desconhecida, assim como a cura.

Ameaça Iminente: a esclerose múltipla é uma doença neurodegenerativo, com incidência maior em mulheres jovens. Por uma falha do sistema imunológico, a bainha de mielino – substância que recobre e isola os neurônios – é identificada como um agressor e passa a ser atacada.
Áreas do cérebro, cerebelo, do tronco encefálico e da medula espinhal são afetadas por inflamação.
Os surtos são períodos de sintomas neurológicos muito intensos e bem definidos que se intercalam com períodos de estabilidade.
Até o momento, a causa da doença é desconhecida, assim como a cura

Remédios

Apesar de ainda não haver cura para a EM, os pacientes que têm a doença são tratados com drogas que têm como objetivo reduzir as inflamações e, por consequência, a perda de neurônios. Os tratamentos disponíveis encaixam-se em duas categorias: sintomáticos e terapias modificadoras.
Na última, estão os medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde: betainterferona, glatiramer e natalizumabe – todos injetáveis.
No entanto, nem todos os remédios usados para controlar a doença são eficazes no combate a esse processo.
É o que aponta estudo desenvolvido pelo neurologista Sven Schippling, pesquisador do Hospital Universitário de Zurique.
De acordo com a pesquisa, apesar de reduzirem a quantidade de surtos, essas drogas não conseguem conter a atrofia logo que começam a ser ministradas.
Apenas a partir do segundo ano de tratamento os remédios passam a desacelerar também a perda de volume cerebral.

O único que se mostrou eficiente, desde o início, para barrar esse processo foi o fingolimode, primeiro medicamento oral contra a esclerose múltipla.
A substância reduziu a taxa de reincidência anual em 61% quando comparada ao interferon beta 1a – droga comumente receitada como primeira opção -, de acordo com estudo liderado por Jeffrey Cohen, do Instituto de Neurologia de Cleveland, nos Estados Unidos.

Segundo Schippling, diferentemente das pessoas acometidas por males como Alzheimer e demência, a maior parte dos portadores de EM é jovem, ou seja, sofrerá a perda neural por um período muito mais prolongado.

Hematomas

Quem sofre as consequências da esclerose múltipla (EM) também se preocupa com o processo de atrofia.
Cansada dos hematomas que os medicamentos injetáveis deixavam pelo corpo e da dor de cabeça depois das aplicações para controlar a esclerose, a bancária Carina Araújo (foto ao lado), de 31 anos, optou por trocar de remédio ao saber da chegada do fingolimode ao país.
“Descobri a doença há quatro anos, quando perdi temporariamente o movimento de um dos braços”, conta.
Depois disso, ela sofreu um novo surto, quando ficou com parte da visão do olho direito comprometida.
Desde que passou a usar o remédio, não teve mais crises.

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