Estresse: pessoas muito tensas são mais vulneráveis a doenças

Estresse infecciona o corpo. Segundo pesquisa, pessoas muito tensas são mais vulneráveis a doenças como a gripe. Queda no sistema imunológico se dá por um descompasso na liberação do cortisol, hormônio responsável pelo combate às inflamações.

Há muito já se sabe que o estresse provoca alterações visíveis no corpo humano, como oscilações de humor, depressão, doenças cardíacas e respiratórias.
Mas como, exatamente, uma vida corrida e cheia de atribuições pode influenciar diretamente a saúde de um indivíduo? Um estudo feito pela Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, investigou o tema e descobriu que o cortisol, hormônio relacionado à resposta imunológica do organismo, pode ser a chave para entender o mecanismo.
O estudo foi publicado no jornal especializado Proceedings of the National Academy of Sciences.

Em situações normais, o cortisol funciona como a “arma” do corpo. É ele quem auxilia o organismo a combater infecções e inflamações. Segundo cientistas, contudo, períodos prolongados de estresse fazem com que as glândulas liberem grandes quantidades desse hormônio.
Sheldon Cohen, um dos principais psicólogos envolvidos no trabalho, explica que, “sem uma regulação adequada desse glicocorticoide, a duração e/ou a intensidade das respostas imunológicas aumentam”.
Isso significa que o risco de exacerbações agudas, como ocorre na asma e em doenças autoimunes, também se eleva.
Assim como acontece na diabetes, em que o corpo passa a ser insensível à insulina devido à liberação dela em excesso, o indivíduo com altos índices de cortisol não é mais capaz de sentir os efeitos dele.

Com o sistema imunológico baqueado, o corpo se torna alvo fácil para doenças de toda sorte. Para provar a tese, a equipe americana fez dois estudos em que expuseram voluntários ao vírus da gripe comum para observar a evolução da doença em pessoas estressadas.
Uma vez que os sintomas não são causados pelo vírus em si, mas pela intensidade da resposta inflamatória desencadeada pelo corpo na tentativa de se livrar dele, a ideia foi medir e comparar essa resposta em cada um dos participantes.

Na primeira análise, 276 adultos saudáveis foram expostos ao vírus e monitorados em quarentena por cinco dias. Após entrevistas e exames, os estudiosos concluíram que, quanto mais estressados os indivíduos, menos o corpo deles apresentava respostas imunológicas. Não por acaso, esses foram os que mais ficaram doentes.
A segunda etapa envolveu 79 pessoas também saudáveis.
Dessa vez, o intuito foi observar a produção de citocinas pro-inflamatórias, responsáveis por enviar mensagens químicas que alertam o organismo quando há uma inflamação sendo formada.
“Prevemos que a resistência ao cortisol estaria associada a eventos estressantes de longa data”, reforça o pesquisador.
“Isso interferiu na baixa quantidade de citocinas e, consequentemente, no aumento da expressão da doença.

Ainda que seja um problema, Armando Ribeiro Neto, psicólogo clínico e consultor em gestão do estresse ocupacional e qualidade de vida no trabalho, explica que o estresse é uma reação normal de adaptação às adversidades da vida.
Saber identificar se as preocupações estão passando dos limites, entretanto, é o primeiro passo para evitar que a condição “se espalhe” e acabe desencadeando outras doenças.
“Alguns autores classificam o estresse em estágios: alerta, resistência, quase exaustão e exaustão”, enumera.

Alexandre Cunha, cardiologista do laboratório Sabin, frisa que, assim como a pressão alta, o diabetes, o colesterol, o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo, o estresse é um conhecido fator de risco para problemas cardiovasculares.
Além de problemas imunológicos, quem tem a cabeça quente também corre mais risco de ter pressão alta e até mesmo sofrer um derrame cerebral.
Isso acontece devido a interações entre os sistemas neuroquímicos, neuro-hormonais, cardiovasculares e imunológicos.
“Nem sempre um problema cardíaco envolverá um agente emocional, mas o estresse pode estar na raiz de problemas como infartos, arritmias, angina e até morte súbita”, completa.

Estresse: pessoas muito tensas são mais vulneráveis a doenças

Estresse aumenta em duas vezes risco de ataque cardíaco

Aqueles que disseram se sentir “muito afetados” e “extremamente afetados” pelo estresse, após avaliados clinicamente, apresentaram um risco 2,12 vezes maior do que o restante dos participantes de morrer de parada cardíaca.
 A capacidade de lidar com o estresse é muito individualizada em função das relações pessoais e profissionais vividas pela pessoa que enfrenta o problema.

Fatores de risco mais evidentes, como a hipertensão e o diabetes, têm ligação direta com um episódio de ataque cardíaco. Mas, se a pessoa com essas enfermidades também for estressada, não basta controlar as primeiras doenças para preservar o coração.
Apenas o estresse é suficiente para aumentar em duas vezes a chance de comprometer o funcionamento do órgão vital.
É o que indica um estudo divulgado em junho de 2013 pelo Instituto de Pesquisa Médica Francês (Inserm).
 “A conclusão é de que não se deve ignorar as queixas dos pacientes sobre o impacto do estresse na saúde porque elas podem indicar um aumento do risco de doenças cardíacas”, avaliou Hermann Nabi, chefe da equipe do Inserm que participou do estudo.
A pesquisa foi realizada com 7.
628 trabalhadores britânicos.
Foram analisadas a ocorrência de tabagismo, o consumo de álcool, o tipo de alimentação, a idade e a situação socioeconômica dos voluntários, que também foram questionados sobre o nível de tensão.

Aqueles que disseram se sentir “muito afetados” e “extremamente afetados” pelo estresse, após avaliados clinicamente, apresentaram um risco 2,12 vezes maior do que o restante dos participantes de morrer de parada cardíaca.
Os cientistas descobriram também que a associação entre o risco de ataque do coração e a percepção do estresse se mantinha com o desaparecimento de outros fatores de risco, tanto biológicos (hipertensão ou diabetes), quanto psicológicos ou de comportamento.

Os pesquisadores ressaltaram que a capacidade de lidar com o estresse é muito individualizada em função das relações pessoais e profissionais vividas pela pessoa que enfrenta o problema.
Ainda assim, a amplitude do transtorno é universal, já que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o estresse, nas variadas formas, atinge cerca de 90% da população global e os ataques cardíacos estão entre as principais causas de morte no mundo.

Há estresse que vem para o bem

Não se estresse! O conselho, repetido frequentemente em prol da saúde, corre o risco de cair em desuso. É que a temível tensão, em estado moderado, pode fazer bem ao organismo, segundo um estudo da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA). Nessa condição, ela ajuda no estado de alerta e estimula células responsáveis pela memória.
A descoberta é positiva para estudos neurológicos, que, a partir dela poderão desenvolver novos tratamentos para distúrbios emocionais.

Segundo os pesquisadores, os seres humanos precisam dessa reação do corpo para sobreviver. “O estresse é um grande mediador do comportamento dos mamíferos. A resposta adequada a uma reação de estresse percebido facilita a sobrevivência e a propagação da espécie” explica Daniela Kaufer, uma das integrantes do estudo, publicado no jornal Elife.

Para comprovar essa teoria, os estudiosos realizaram um experimento com ratos. Os animais foram isolados em laboratório e passaram por situações desconfortáveis, como choques nas patas, imobilização dentro de sacos e permanência em ambientes estranhos em posições desconfortáveis.
Depois de submeter as cobaias a essas etapas de desconforto, os cientistas identificaram nos animais o aumento de um hormônio semelhante ao cortisol, que, em humanos, está relacionado a respostas ao estresse.

Depois de 14 dias, outros testes foram feitos nos ratos e os pesquisadores perceberam que houve também uma ativação de neurônios recém-nascidos. “Duas semanas depois do estresse agudo, a constatação desses neurônios novos mostra que os ratos tiveram melhora na região relacionada à memória.
Nossos resultados sugerem um papel benéfico para esse estresse breve sobre o hipocampo, que também é capaz de melhorar a compreensão da capacidade de adaptação do cérebro”, explica, no estudo, Daniela.

Trabalhos anteriores já apontavam o estresse como algo benéfico e serviram de base para o novo estudo americano. “Pesquisas recentes com macaco-esquilo adulto mostram que lidar com o estresse social estimula a neurogênese adulta (processo de formação de novos neurônios) e melhora a memória”, explica a neurocientista.
“Esses trabalhos, em conjunto com os nossos resultados, evocam a possibilidade de que o estresse agudo possa ser benéfico para a saúde do cérebro e em particular no hipocampo”, complementa Daniela, no texto divulgado.

Instinto

A reação ao estresse é uma sensação que existe desde os primórdios. Segundo o neurologista Maurice Vincent, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse fenômeno fisiológico beneficia os seres humanos ao protegê-los de perigos latentes.
“O conjunto de alterações que caracteriza o estresse se instala a partir de uma ameaça ao animal como decorrência de uma interação entre o cérebro e o corpo diante da percepção de um grande perigo”, explica.

O especialista detalha que a origem dessa reação está ligada ao hipotálamo, região do cérebro observada pelos cientistas do estudo americano.
“A principal alteração no sistema nervoso central é a ativação do chamado eixo hipotálamo-hipofisário e do sistema nervoso autônomo, reação mediada por hormônios liberados agudamente, principalmente os chamados hormônios glicocorticoides, como o cortisol, citado nesse estudo “, define o especialista.

Vincent destaca também que o estresse positivo só passa a ser prejudicial em excesso, quando deixa de ser agudo e passa a ser crônico. “Os seres humanos podem se expor a períodos prolongados de atividade elevada dos mesmos sistemas cerebrais que nos ajudam a sobreviver a esses desafios mais agudos.
Essa exposição surge com o desenvolvimento de ansiedade e pode ser decorrente da exposição constante a ambientes hostis, como ruído constante, pressões pessoais no trabalho ou na família, entre outros.
O estresse crônico, ao contrário do agudo, causa problemas de saúde a longo prazo”, compara Vincent.

Neurocientista da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Tomaz também indica pontos positivos da pesquisa americana. “O que é mais importante ressaltar nesse estudo é como o estresse desencadeia reações no organismo, os eventos neurológicos, porque, assim, poderemos evoluir nas pesquisas”, explica o especialista.
“Com base nesse conhecimento, seria possível desenvolver, no futuro, medicamentos e terapias que eventualmente pudessem aumentar a resistência ou facilitar algumas respostas de memória para situações estressantes”.
Segundo Tomaz, essas descobertas poderiam ser utilizadas em tratamentos de distúrbios como o estresse pós-traumático, comum em veteranos de guerra e em sobreviventes de tragédias.

Os pesquisadores americanos dizem estar otimistas com os resultados alcançados até o momento, mas eles pretendem avançar no estudo e conseguir desvendar todo o processo do estresse no organismo humano. “Em níveis mais moderados, o estresse agudo pode realmente melhorar a função da memória em ratos.
Mais pesquisas serão necessárias para definir com maior precisão os limites desse processo e definir melhor o parâmetro de estímulo necessário do estresse agudo para que ele ocorra de forma eficaz”, diz Daniela Kaufer.

Estresse: pessoas muito tensas são mais vulneráveis a doenças

Reação ao perigo

A interação entre o estresse e o hipocampo é também fundamental para a sobrevivência, já que essa área do corpo está ligada à memória.
Existe uma concentração elevada de receptores para glicocorticoides (uma classe de hormônios esteroides caracterizada pela habilidade de se ligar com o receptor de cortisol) no hipocampo e em outras regiões envolvidas com o processamento das emoções.
Cientistas acreditam que o estresse agudo leve à ativação do hipocampo durante uma situação de ameaça porque o animal necessita lembrar-se exatamente do local e das circunstâncias relacionadas àquele perigo e não se expor novamente ao mesmo risco.
Os seres humanos também se lembram de detalhes relacionados a essas situações.
Por exemplo: vítimas de crimes relatam à polícia detalhes tão claros dos agressores que permitem o desenvolvimento de retratos falados.

Questão de exposição: Entenda o que difere o estresse que faz bem e o que faz mal à saúde:

O que é?

O estresse pode ser causado por razões físicas, psicológicas ou sociais. É gerado por um conjunto de reações fisiológicas que, ao ser levadas ao exagero e em longa duração, podem resultar em um desequilíbrio do organismo.

Estresse agudo : É aquele ligado a situações traumáticas, mas passageiras, como a morte de um parente. Ele é intenso e curto. De acordo com os médicos, é benéfico, já que nos ajuda em situações em que a sobrevivência está em risco. Quando um animal se vê diante de um predador, por exemplo, o estresse pode salvá-lo.
Essa reação é chamada de resposta ight-or-flight (lutar ou fugir).
Prepara o corpo para a fuga ou para o embate.

Estresse crônico: É causado pela exposição constante a ambientes hostis, como barulhos altos e frequentes, poluição, conflitos pessoais permanentes, pressões pessoais no trabalho ou na família, entre outros. Ao contrário do agudo, causa doenças a longo prazo, como psoríase, infecções causadas por baixa imunidade e enxaqueca.

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