Novo teste de alergia – Mais eficaz

Teste criado na Suíça usa células fluorescentes para acusar, por meio da amostra de sangue do paciente, o contato com alérgenos.

Por acaso, em 1859, um pouco de pólen caiu perto do rosto do homeopata britânico Charles Barkley, um sujeito conhecido pelas crises de rinite que sofria. A reação o fez perceber que o pó poderia ser o agente por trás do incômodo recorrente.
O experimento acidental foi o primeiro de muitos que, em 1865, culminaria no primeiro teste cutâneo para alergias.
Apesar dos avanços de diagnóstico, o exame de pele permanece os mais popular na identificação do problema.
Agora, pesquisadores da Suíça propõem uma técnica muito mais moderna, rápida e barata.
Células brilhantes acusam a existência de reações alérgicas em amostra de sangue colhida do paciente.

As abordagens atuais para encontrar o gatilho das crises alérgicas podem ser, basicamente, divididas em duas categorias: in vivo e in vitro. A primeira consiste em inocular uma pequena quantidade de um alérgeno específico na pele. Se a pessoa for sensível a ele, apresentará vermelhidão e edema na região após mais ou menos 20 minutos do teste.
Os exames in vitro detectam, no soro sanguíneo, os níveis de Imunoglobulina E (IgE) – anticorpo que indica a ocorrência de uma reação alérgica.

A proposta dos pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, é uma versão aprimorada dos testes no tubo de ensaio. O diferencial está no fato de os cientistas se valeram da biologia sintética para desenvolver o sistema de diagnóstico.
Nele, células brilhantes identificam o IgE, acusando, assim, a presença do anticorpo e das histaminas, moléculas liberadas pelo próprio IgE durante uma crise de alergia.
“Em busca de conveniência, economia e resultados rápidos, relacionamos a presença dos alérgenos à expressão de um marcador fluorescente que nos permitiu criar as células brilhantes”, conta o autor sênior do estudo, Martin Fussenegger.
O trabalho começou há dois anos, quando ele e equipe se comprometeram a desenvolver um exame que fosse rápido, preciso, confiável e evitasse a exposição direta do paciente com os alérgenos.

Longe do pólen

Em experimentos para testar a eficácia do método, amostras de sangue humano foram expostas a alérgenos, como pólen e ácaros. Em seguida, adicionou as células que poderiam ficar fluorescentes.
Os resultados, até agora, são promissores: quando as histaminas estavam presentes no sangue, indicando uma resposta alérgica, as estruturas modificadas brilharam.
Os resultados foram detalhados na edição de hoje da revista Nature Communications.

Em vários pacientes, o método proporcionou resultados semelhantes aos do teste cutâneo, mas sem expô-los ao desconforto das aplicações na pele. “Nosso teste é mais rápido e confiável. Também será mais barato. A maioria dos outros exames médicos, os de rotina, é feita com amostras de sangue.
Agora, essas amostras também poderão ser usadas para detectar alergias”, defende Fussenegger.
Há a possibilidade de usar o novo método para detectar outros tipos de moléculas, podendo ainda servir de base para testes que investiguem a ação de drogas terapêuticas.

Alexandre Ayres, alergista do Hospital Universitário de Brasília (Hub), comenta que a ideia de identificar o IgE para detectar alergias é um conhecimento antigo. Entretanto, o método desenvolvido pelos suíços é o que chama atenção. Ayres pondera que testes in vitro podem apresentar falhas e falsos resultados.
Ainda assim, atendem bem aos pacientes que não toleram os exames de pele.
“No teste cutâneo, o médico aplica uma gotinha do agente suspeito na pessoa.
Se existe o anticorpo, aparece uma bolinha vermelha que varia de tamanho, podendo ser pequena, média, grande ou muito grande.
Isso quantifica a reação.
Porém, algumas pessoas estão tão machucadas que é impossível fazer esse tipo de diagnóstico”, detalha.
Há ainda as pessoas que ingerem medicamentos que podem apresentar reações potencialmente fatais à aplicação do alérgeno.

Análise completa

Ayres alerta que ambos os testes, cutâneo e de sangue, indicam se há sensibilidade a um agente específico. Só depois do resultado, o médico realmente cogita a existência da doença, podendo passar para a segunda etapa do diagnóstico, que é investigar o que pode estar causando o desconforto.
“Se o paciente vai ao meu consultório com espirros e coriza e o teste acusa sensibilidade a fezes de baratas, vou perguntar se existem os insetos na residência dele, se os sintomas pioram quando ele está lá e, assim, desenvolvemos o tratamento”, conta.

Tanto Ayres quanto Fussenegger destacam que cada vez mais gente procura exames que detectem reações alérgicas. A progressão tem sido observada há mais ou menos 50 anos, quando os países iniciaram o forte processo de industrialização e melhora de renda (veja Para saber mais).
“Existe a chamada teoria da higiene, que preconiza que pessoas que vivem em regiões menos desenvolvidas têm mais contato com alérgenos e patógenos.
Portanto, criam tolerância a eles.
É como se fosse uma vacina”, explica o especialista do HUB.

Ayres diz que, diante dessa necessidade, todas as melhorias nos tratamentos atuais são bem-vindas. “A ciência e a medicina estão sempre avançando. Esse exame pode trazer mais agilidade aos médicos. É o que vemos com o de HIV. Antes, eram complicados o teste e o diagnóstico, que demorava até 20 dias para sair. Agora, não temos mais isso.
Muitos lugares, como os centros de testagem e aconselhamento, podem fazer o teste e oferecer o resultado na hora”.

Comum entre brasileiros

Dados da pesquisa Alergias na América Latina, o primeiro esforço internacional para descrever alergias nasais em indivíduos de 4 anos ou mais, revela que 31 milhões de brasileiros já foram diagnosticados com o problema. Quase dois terços dos adultos pesquisados (59%) sofriam de rinite alérgica sazonal ou intermitente.
Outros 39% relataram sintomas durante todo o ano, 57% dos adultos e 63% das crianças foram diagnosticados por meio de testes de pele e sangue.

Influência econômica

A hipótese da higiene foi proposta pelo epidemiologista David Stracham em 1989. Sugere que infecções durante a infância diminuem as chances de a pessoa desenvolver doenças alérgicas e que o estilo de vida ocidentalizado aumenta a incidência de alergias e doenças autoimunes.
Isso ocorre porque a exposição aos micro-organismos fortalece o sistema imunológico.
Assim, o corpo aprende a se defender apenas contra ameaças graves.
As crianças nascidas em países ricos, portanto, são mais suscetíveis às enfermidades por serem criadas em ambientes em que o contato com os patógenos é menor.
Em abril de 2013, pesquisadores do St.
Luke’s-Roosevelt Hospital Center, em Nova York, encontraram evidências de que garotos imigrantes que se mudaram para os EUA sofrem menos com alergias do que os nascidos lá.
Entretanto, após uma década vivendo no país, a proteção desaparece.

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