Cérebro: pedacinho por pedacinho

Pesquisadores fatiam cérebro humano em lâminas ultrafinas que, depois de escaneadas, transformam-se no modelo tridimensional do órgão mais detalhado feito até hoje. O projeto vai ajudar no tratamento de doenças, como o mal de Alzheimer e o de Parkinson.

Cérebro: pedacinho por pedacinhoDa cabeça aos pés, os médicos conhecem, há séculos, cada nervo, músculo e osso da anatomia humana. Um órgão essencial para a compreensão das doenças mais desafiadoras do mundo moderno, contudo, permanece misterioso. Embalado pelo crânio, o cérebro, com seus bilhões de células, é um labirinto pouco explorado.
Não por falta de interesse – afinal, é nele que reside o segredo da cura para males neurodegenerativos e psiquiátricos, como Alzheimer e esquizofrenia.
O problema é conseguir visualizar a complexidade das reações químicas ocorridas lá dentro entre neurônios e outras estruturas minúsculas, que, diferentemente do que acontece com outras células do corpo, não podem ser cultivadas em laboratório.

Desenvolver um cérebro artificial para estudos tem sido o sonho de neurocientistas, mas as tentativas não resultaram em modelos tão precisos como o necessário. Agora, ele virou realidade e pode ser explorado, sem custos, por qualquer pesquisador cadastrado no portal Cbrain (http://cbrain.mcgill.ca), da Universidade de McGill, no Canadá.
Na capa da edição desta semana da revista Science, pesquisadores canadenses e alemães anunciaram o BigBrain, software que permite visualizar o cérebro humano em tecnologia de altíssima resolução, com detalhes anatômicos jamais reproduzidos anteriormente.
O modelo virtual foi construído a partir de um órgão verdadeiro, que pertencia a uma mulher de 65 anos, sem histórico de doenças neurológicas nem psiquiátricas.

Cérebro: pedacinho por pedacinho

Após conservar o cérebro em parafina, os cientistas o fatiaram em mais de 7,4 mil seções de 20 mícrons, cada uma – o mícron corresponde a um milésimo de milímetro ou um milionésimo de metro. As camadas, então, foram escaneadas, e as imagens, inseridas no software.
No fim, surgiu o BigBrain, que revela não apenas os tecidos, mas mostra, detalhadamente, as células e as moléculas cerebrais, a partir de 0,02mm de tamanho.
De acordo com Peter Stern, editor sênior da Science, o modelo é 50 vezes mais preciso, em cada uma das três dimensões, que as imagens obtidas por ressonância magnética.
Esse exame também gera imagens do órgão em 3D, mas com resolução mais baixa e sem o nível tão profundo de detalhamento.
De acordo com os pesquisadores envolvidos no projeto, o BigBrain pode ser considerado um atlas da anatomia cerebral em escala micrométrica.

“Agora, podemos estudar questões que não podiam ser investigadas previamente, porque requerem resolução em nível celular.
A estrutura física do cérebro não é o mais importante, o que conta mais é a localização dos sinais elétricos dentro do órgão”, observou, em uma coletiva de imprensa, Karl Zilles, principal autor do artigo e pesquisador do Centro de Pesquisa Jülich, na Alemanha.
“O cérebro é uma estrutura extremamente organizada, por isso, é importante entender o funcionamento de cada tipo de molécula e de célula”, disse.
Zilles afirmou que, agora, será possível estudar com precisão a distribuição dos receptores de neurotransmissores – a falta ou o excesso dessas substâncias químicas naturais estão por trás de uma série de doenças, que vão da depressão ao Parkinson.
“O BigBrain terá importantes implicações para a biologia molecular e para a farmacologia”, considera.
A ferramenta integrará o Projeto Cérebro Humano, da Comissão Europeia.

Precisão

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Alan C. Evans, professor de neurologia da Universidade McGill, conta que os neurocirurgiões estão particularmente interessados no BigBrain para incrementar o tratamento do mal de Parkinson.
Atualmente, é possível inserir eletrodos no cérebro dos pacientes para estimular pequenos choques elétricos, que têm como objetivo normalizar a atividade dos circuitos envolvidos com o movimento e, consequentemente, com os tumores.
“Você ainda não elimina totalmente o sintoma porque há um problema: não se conhece todos os locais do cérebro em que essas reações acontecem.
Elas são invisíveis com a tecnologia disponível.
Agora, será mais fácil encontrá-las, porque temos uma resolução espacial muito melhor.

Outra doença que poderá ser mais bem estudada é o Alzheimer. Embora já existam terapias experimentais de eletroestimulação profunda, os neurologistas não sabem exatamente onde agir. “A questão é: qual o alvo certo? Onde devemos estimular?”, explica Evans.
“O tamanho dessas áreas é tão pequeno que nem as melhores imagens de ressonância magnética conseguem mostrar.
Para saber a resposta, precisamos olhar para uma única fibra nervosa ou um feixe de nervos, e isso só pode ser explorado quando temos um modelo do cérebro humano em altíssima resolução, pois assim podemos estudar a distribuição dos neurônios que são importantes para o funcionamento dos processos cognitivo e de memória.
Com o BigBrain, será possível localizar boas regiões para estimular”, disse.

Os pesquisadores reconheceram que, apesar do avanço, a nova ferramenta não permite o estudo do cérebro de crianças e de jovens, que é diferente dos de adultos. Questões como a formação e o amadurecimento do órgão, portanto, não serão resolvidas pelo projeto.
Ainda assim, Karl Zilles garante que não consegue imaginar nada tão revolucionário para a pesquisa neurocientífica quanto o BigBrain.
“Em termos tecnológicos, não creio que teremos coisa parecida nos próximos 10 ou mesmo 20 anos”, afirmou, na coletiva de imprensa.

Nos EUA

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Em abril, o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou que o país também terá um programa de investigação do cérebro, o Brain Initiative. Estima-se que serão investidos US$ 3 bilhões nos próximos 10 anos, com objetivo de desvendar o padrão de doenças neurodegenerativas. O Congresso, contudo, ainda não aprovou o orçamento.

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