Diarreia – Causas e Tratamentos

Doença mata 2.195 crianças diariamente. Pesquisadores têm dispensado esforços contínuos para compreender os mecanismos da infecção.

A diarreia mata 2.195 crianças diariamente e faz mais vítimas do que a Aids, a malária e o sarampo juntos. Essa é a segunda causa de morte entre meninos e meninas entre 1 mês e 5 anos no mundo inteiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Pouco se ouve falar do problema nos países e nas regiões onde as condições de saneamento básico são razoáveis ou boas, mas, para populações pobres – inclusive brasileiras – , o quadro é uma realidade ameaçadora.
Diante da incidência preocupante, pesquisadores têm dispensado esforços contínuos para compreender os mecanismos da infecção que causa a diarreia.

O resultado mais recente dessa busca é apresentado na edição de hoje da revista Nature. Uma equipe liderada por Katherine S. Ralston, da Universidade da Virgínia (EUA), traz informações inéditas sobre como um dos patógenos causadores do mal, a Entamoeba histolytica, ataca o organismo.
Segundo os pesquisadores, a infestação é muito mais violenta do que parecia ser.

O nome histolytica se deve à capacidade da ameba de destruir tecidos do hospedeiro para alimentar-se deles. Até agora, acreditava-se que a morte das células ocorria antes da ingestão, como resultado da ação de substâncias tóxicas produzidas pela invasora.
O novo estudo, contudo, derruba essa informação, mostrando que, na realidade, as amebas devoram as células ainda vivas (veja infografia abaixo).
A compreensão desse mecanismo deve levar a tratamentos mais eficazes de combate ao parasita.

Mordida

A conclusão é resultado de pesquisas em laboratório feitas nos últimos cinco anos para o trabalho de pós-doutorado de Ralston. Ela foi supervisionada pelo pesquisador-sênior William A. Petri Junior, que estuda o micro-organismo há mais de duas décadas. “A infecção por E.
histolytica, conhecida como amebíase, é muito comum em ambientes de baixa renda.
As doenças diarreicas são uma das principais causas de morte entre os pequenos.
Gostaríamos de obter uma melhor compreensão de como esse organismo causa a doença e para podermos preveni-la”, diz a pesquisadora.

Um dado surpreendente do estudo de Ralston é que a agressão da ameba eleva a quantidade de cálcio na célula, levando-a à morte. Esse processo, chamado trogocitose, parecia ser restrito ao sistema imune (quando os anticorpos extraem fragmentos do citoplasma ou da membrana celular de um invasor) e a pouquíssimos outros micro-organismos.
Agora, a cientista mostrou que a E.
histolytica usa a mesma arma para destruir o tecido intestinal.
“Essa é a primeira demonstração de que a trogocitose também serve para matar células (inatas do corpo humano).
Isso muda a nossa compreensão da amebíase e sugere que esses parasitas invadem e danificam o intestino anfitrião mordiscando as células vivas que revestem o órgão.
Curiosamente, outros estudos publicados indicam que a ameba Naegleria fowleri também mordisca.
Portanto, esse processo poderia ocorrer em mais micro-organismos”, contextualiza Ralston.

Mais violentas

Em 2010, estudo publicado na revista Nature Immunology sugeriu que a trogocitose evoluiu como uma forma de as células adquirirem alimento a partir de outras. Isso também serviria como um meio de comunicação entre elas. A nova pesquisa sustenta a hipótese de uma origem primitiva para o comportamento, que parece aumentar a virulência do parasita.
No entanto, ainda não se sabe o que faz com que algumas amebas optem pela fagocitose e outras pela trogocitose.

Mais um dado inesperado é que os parasitas que atacaram as células anteriormente parecem “sentir mais fome”, mordiscando mais células e, consequentemente, matando mais. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que a trogocitose altera o comportamento da E. histolytica.
Para Douglas Albernaz, biomédico parasitologista da Universidade Católica de Brasília (UCB), esses resultados são inesperados e explicam a virulência do micro-organismo.
Albernaz destaca que as mordidas são uma forma de a ameba criar fissuras nas paredes intestinais que possibilitam a penetração no tecido conjuntivo.
Essa invasão gera úlceras no órgão e aumenta as chances de o parasita chegar à corrente sanguínea.

Tamanha agressividade, diz o especialista, não é vista em outras amebas. “Se ela cair no sistema sanguíneo, alcança outras partes do corpo, principalmente o fígado, gerando lesões nele também”, diz o professor, que não participou do estudo.
Para ele, os resultados alertam para a necessidade de mais pesquisas sobre formas de frear a trogocitose parasitária.

Tratamentos

A maioria das internações causadas por diarreia envolve crianças com menos de 5 anos. Esse caminho já está sendo trilhado pela equipe de Ralston, que busca formas de bloquear os mecanismos que ajudam o micro-organismo invasor de reconhecer e se ligar às células humanas. A cientista tem dois alvos de análise: as proteínas lectina e EhC2PK.
“A primeira é encontrada fora da ameba e permite que o parasita se prenda à célula hospedeira ao ligar-se a açúcares na superfície delas.
A lectina também proporciona o impulso inicial para que as amebas ataquem”, descreve.
Ela diz que essas características fazem da lectina uma candidata para o desenvolvimento de vacinas que induzirão o indivíduo a produzir anticorpos que se ligarão à ameba para bloquear o ataque.

A outra esperança é a EhC2PK, que se encontra no interior do patógeno e desempenha papel nos sinais de reprodução do micro-organismo durante a ingestão. “Descobrimos que, se construirmos amebas mutantes que expressam uma versão alterada dessa proteína, a capacidade de trogocitose diminui.
O fato de essa proteína ser encontrada apenas em amebas e não em humanos pode viabilizar o desenvolvimento de drogas”, defende a autora.

Internações

Dados da ONG Instituto Trata Brasil mostram que, em 2011, 396.048 pessoas foram internadas por diarreia no país. Dessas, 138.447 (35%) eram crianças menores de 5 anos. E em 45% dos 100 municípios analisados, mais de 50% das internações foram de pacientes nessa faixa etária.
As regiões Norte e Nordeste apareceram entre 2009 e 2011 como as áreas com as taxas mais elevadas de internações por diarreias: sete das 10 cidades com pior desempenho eram dessas regiões.
Em 2011, os gastos do Sistema Único de Saúde com internações devido ao problema foi de R$ 140 milhões.
Nas 100 maiores cidades, o gasto foi de R$ 23 milhões, ou seja, 16,4% do total investido em atenção básica.

Problema de muitas origens

“Existem várias causas para a diarreia. A mais comum é a gastroenterite (infecção intestinal) por intoxicação alimentar (vírus, bactérias e toxinas bacterianas), mas o problema pode ser um sinal de outras enfermidades, como intolerâncias alimentares e doenças inflamatórias intestinais ou até mesmo imunodeficiências.
Ao contrário da disenteria, que é uma doença inflamatória dos cólons (intestino grosso) de origem infecciosa, a diarreia, em geral, é autolimitada.
Ou seja, a própria atividade inflamatória e o aumento da motilidade do intestino podem eliminar os possíveis agentes infecciosos causadores, não sendo necessário, na maioria dos casos, o uso de antibióticos ou agentes antiparasitários específicos.
A desidratação grave é a maior causa de morte relacionada, principalmente em crianças.
No entanto, dependendo do agente infeccioso e da falta de assistência, o paciente pode morrer de infecção generalizada.

Lívia Vanessa Ribeiro Gomes, chefe do Núcleo de Infectologia do Hospital de Base do DF

Meu filho está com o cocô meio mole. É diarreia?

Para saber, você precisa levar em conta qual é o cocô normal do seu filho. Há crianças que fazem cocô até três vezes por dia, outras que fazem uma vez a cada dois dias.
Um cocô um pouco mais mole que o normal não é motivo de preocupação, na maioria das vezes, mas se o aspecto das fezes muda de repente, e é aguado, bem líquido, é provável que se trate de diarreia.

O grande perigo da diarreia é a desidratação, que pode abalar rapidamente a saúde da criança e ser até fatal. Mas, se seu filho tomar bastante líquido, a diarreia deve passar em alguns dias.

O que pode estar provocando essa diarreia?

A diarreia tem várias causas possíveis: vírus, bactéria, parasita, efeito colateral de antibiótico ou alguma comida.

Vírus: Uma das causas mais comuns de diarreia é um vírus chamado rotavírus. Hoje já existe vacina gratuita contra esse vírus, mas antes disso quase todas as crianças eram contaminadas por ele até completar 5 anos.

Vários outros vírus provocam a gastroenterite, uma inflamação no sistema digestivo. A infecção causa vômitos e afeta a mucosa que reveste o intestino. A mucosa começa a liberar líquido, e os alimentos passam sem ser digeridos. A criança pode apresentar também dor de barriga, febre, dor no corpo e calafrios.

Bactéria: Diversos tipos de bactéria, como salmonela, shigella ou E. coli podem provocar diarreia. Quando a causa é bacteriana, a diarréia pode ser mais intensa, e vem junto com dores de barriga, febre e talvez sangue e muco (catarro) nas fezes, a chamada disenteria. O vômito pode estar presente ou não.

Algumas infecções bacterianas saram sozinhas, mas outras exigem antibióticos. Um exame de fezes pode determinar a causa da infecção e a sensibilidade da bactéria aos antibióticos (antibiograma).

Vermes: Parasitas podem causar diarreia. A giardíase, por exemplo, é causada por um microorganismo minúsculo, a giárdia, que vive no intestino. A diarreia pode se prolongar por mais tempo ou ir e vir. Leve seu filho ao médico — um exame de fezes vai esclarecer a causa do problema. O pediatra pode receitar vermífugos.
Leia mais sobre as parasitoses intestinais.

Efeito colateral de antibióticos: Se seu filho está ou estava fazendo tratamento com antibióticos, pode ser que o remédio tenha matado as “bactérias boas” do intestino, provocando um desequilíbrio na flora intestinal. Não deixe de dar o remédio a ele.
Converse com o médico para ver se há alguma alternativa, ou medidas que aliviem a diarreia.

Intolerância ou alergia alimentar: Crianças que têm intolerância à lactose não digerem bem o leite, e muitas vezes sofrem com diarreia, gases, cólicas ou desconforto abdominal. Os sintomas aparecem de meia hora a duas horas depois do consumo do alimento.
No caso de alergias, fique atenta a outros sintomas, como dificuldade de respirar ou inchaço dos lábios, que exigem atendimento médico imediato.

Dá para prevenir a diarreia?

Bons hábitos de higiene ajudam a diminuir o risco de diarreia, porque os micro-organismos que a provocam muitas vezes são transmitidos da mão para a boca. Por isso, lave bem as mãos com água e sabonete por pelo menos 15 segundos depois de trocar fralda de cocô ou de usar o banheiro.

Como se trata a diarreia?

O principal é manter a criança hidratada, bebendo muito líquido. Dê bastante água ou soluções especiais para a reidratação, como o soro caseiro. A água de coco pode ser usada em conjunto com o soro ou as bebidas de reidratação, mas não sozinha, porque não possui a quantidade de sal necessária.

Se for dar suco, dilua-o em água. Vale até apelar para picolés de fruta, se seu filho não estiver querendo beber. Evite bebidas muito doces e refrigerantes (o açúcar atrai mais água para o intestino, o que pode agravar a diarreia, e o gás distende o abdome, o que agrava a situação). Não abuse de gelatina, também devido ao açúcar.
As frutas mais recomendadas são maçã, banana-maçã, goiaba, maracujá e limão (pode ser em forma de suco).

Nunca dê remédios contra a diarreia para crianças de menos de 12 anos, pois os efeitos colaterais podem ser perigosos.

Não se preocupe se seu filho não quiser comer. Desde que ele esteja bem hidratado, o apetite deve voltar quando ele se sentir melhor, em um ou dois dias.

Quando têm diarreia, as crianças podem ficar temporariamente intolerantes à lactose, ou seja, o leite agrava o problema. Por isso, se perceber que o leite está fazendo mal ao seu filho, converse com o pediatra, pois há a possibilidade de oferecer temporariamente um leite com baixo teor de lactose ou até mesmo leite de soja.

Leite fermentado (tipo Yakult) e iogurte são recomendados para diminuir a duração da diarreia. Só preste atenção para comprar iogurte de verdade, e não sobremesas lácteas, que não contêm os lactobacilos que fazem bem para o intestino. Verifique a embalagem.

Preciso mudar a alimentação do meu filho?

Não. A menos que ele esteja vomitando, você pode continuar dando os alimentos a que ele está acostumado. Tradicionalmente, os alimentos preferidos para os casos de diarréia aguda são banana, arroz, batata, maçã e torrada. Mas qualquer alimentação leve, como frango grelhado ou assado com macarrão ou batata e arroz, funciona.

Não se preocupe se seu filho se recusar a comer durante uma crise de diarreia. O mais importante é que ele tome bastante líquido para evitar a desidratação.

Como evitar assaduras?

Prepare-se para trocar muitas fraldas durante a diarreia. A acidez e a textura das fezes podem causar um belo estrago no bumbum do bebê, o que só vai piorar a situação. Se seu filho já usar o penico ou o vaso sanitário, pode ser que ele não consiga chegar a tempo ao banheiro, ou seja, “acidentes” são muito prováveis.

Passe uma camada de creme anti-assaduras em todas as trocas, secando muito bem a pele antes. Prefira lavar a área com água, em vez de usar só lenços umedecidos. Se a assadura ficar muito feia, vale a pena conversar com o médico para um tratamento mais específico.
Não há nada pior que uma criança aterrorizada pela dor naquelas dez trocas de fralda que você vai ter de fazer no meio de uma crise de diarreia.

Quando devo procurar o médico?

A diarreia normalmente sara sozinha. Se seu filho estiver com o intestino muito solto há dois dias, consulte o médico. O maior perigo é o de desidratação, portanto busque socorro médico imediato se a criança der sinais de alerta: lábios secos, letargia, choro sem lágrimas, palidez nas mãos e nos pés, xixi muito amarelo ou em pequena quantidade.

Também procure o médico se seu filho:

  • Se recusar a tomar líquidos.
  • Estiver com febre há mais de 24 horas ou acima de 39 graus.
  • Apresentar sangue nas fezes .
  • Estiver vomitando muitas vezes, além da diarreia.
  • Estiver com a barriga inchada.
  • Dependendo da causa da diarreia, o médico pode prescrever remédios e pedir exames.
    Lembre-se de jamais dar remédios contra a diarreia para seu filho, pois eles podem agravar a situação.
    A orientação vale também para adultos.

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