Entenda a relação entre cesariana marcada e o risco de prematuridade

A idade gestacional é apenas uma estimativa, a certeza de que o bebê está pronto para nascer é o início do trabalho de parto. Marcar uma cesariana antes da 39ª semana, além de não ter respaldo técnico, é arriscado para o bebê, que pode nascer prematuro ou imaturo.
Índice de prematuridade no Brasil alcança 12,5%, considerado muito elevado pelos parâmetros da OMS.

O Brasil, país conhecido pela abundância de recursos naturais, tem sofrido uma das piores ações antiecológicas: apresenta a maior taxa mundial de cesáreas, alcançando índices entre 70 e 90% em alguns hospitais.
O parto cirúrgico passou a ser o método “normal” de fazer uma criança vir ao mundo, ocorrendo uma inversão de valores da naturalidade da vida.
Este fenômeno permeia a cultura brasileira, pois, ao engravidar, muitas mulheres optam pela cesárea como forma “antidolorosa” de ter filhos, o que não passa de engano e desinformação.

A intervenção cesárea é um procedimento capaz de evitar um óbito materno ou fetal quando indicada corretamente, mas representa um risco, para quem poderia ter um parto normal.

Há pelo menos 30 anos que o Brasil detém a liderança mundial de partos cesarianos, realizando até 558 mil cirurgias anuais desnecessárias, o que resulta num gasto inútil de R$ 83,4 milhões e a ocupação desnecessária de algo em torno de 1.653 leitos a cada dia.
No município de Italva, no Norte Fluminense, por exemplo, 166 dos 168 partos ocorridos em 1996, foram de cesariana!!!.

Além de líder mundial na prática do parto cesariano, o Brasil por causa desta cirurgia, responde por um saldo médio de 114 óbitos maternos por 100 mil bebês nascidos vivos. A taxa de cesárea no Brasil situa-se em torno de 36,45, enquanto a dos Estados Unidos é de 24% e da Áustria 7,5%.
 “As cesáreas desnecessárias são as primeiras a causar aumento de mortes maternas, de mortalidade pós-parto e de aumento de incidência de prematuridade e síndrome de angústia respiratória do recém-nascido”, concluem estudos realizados nesta área pelo professor Hugo Sabatino.
Os dados do SUS mostram de que há 4,35 vezes mais riscos de infeção puerperal e de que a mortalidade materna, após o parto cesáreo, é de três vezes maior do que o parto normal ou do abortamento.

Dos fatores que contribuem para a epidemia de cesárea, os mais importantes são os seguintes: laqueadura de trompas, falta de reembolso de anestesia para o parto normal, desconhecimento da população dos riscos da cirurgia, conveniência médica devido ao tempo mais curto e melhor renumeração, incentivos financeiros diretos e indiretos para médicos e hospitais, falta de equipamentos para avaliação de risco fetal, mas ainda, a mais importante é a representação social da mulher que a cesárea é indolor e preserva a anatomia vaginal para as futuras relações sexuais.

No final da década de 80, a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO, através de seu Presidente Hans Halbe desencadeou um campanha de “Parto Normal e Amamentação – uma ato de amor”.
A classe médica e algumas entidades estranharam a conduta das Sociedades locais em estimular o resgate do parto normal e baixar os altos níveis de operações desnecessárias no país.
Os colegas que apoiaram e divulgaram tal campanha foram taxados de oportunistas e ridicularizados perante a classe.
Mal sabiam eles que estavam na contra mão da história.
Mas hoje, após uma década, o mundo aderiu a este movimento, inclusive o Brasil.

O Ministério da Saúde preocupado com o alarmante índice de partos cirúrgicos, desenvolveu um projeto sobre a Epidemiologia da Cesárea na América, utilizando as estratégias de ação da Coordenação da Saúde da Mulher, da Criança e Adolescente, em parceria com Centro Latino Americano de Perinatologia da OPAS. Esse projeto desenvolve-se em três etapas.
A primeira, estudou uma amostra de 103 maternidades do SUS, que apresentaram uma taxa acima de 50% de cesarianas em mais de 5.
000 partos no ano de 1996.
A segunda parte deve analisar as indicações de cirurgias, e a terceira deve avaliar todas as de indicações cesáreas.
através de acompanhamento sistemático.

Em 1997, o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou ampla campanha com o slogam “Parto Normal é Natural” conscientizando a população e os médicos para o resgate do parto normal, buscando baixar os alarmantes índices de cesarianas verificados no país.
A campanha que teve como madrinha a atriz Malú Mader, envolveu diversas entidades da sociedade civil principalmente as voltadas para a saúde e os direitos das mulheres.
A repercussão da campanha atingiu o Ministério da Saúde que após a posse do ministro José Serra, intensificou o Programa de Assistência À Saúde da Mulher, com medidas como aumento de recursos para os procedimentos de partos normais ou cesáreas, incentivo à criação de serviços de alto risco com renumeração diferenciada, pagamento de analgesia nos partos normais e de UTI neonatal, entre outras.

Uma história real

Com 37 semanas, a empresária Magali Alvarenga, 34 anos, descobriu pela secretária do médico que acompanhava seu pré-natal que o especialista estaria em viagem na semana que antecederia a data provável do parto de seu segundo filho e para quem pagaria R$ 7 mil, além das despesas com o plano de saúde.
Ela conta que o ginecologista já tinha acompanhado o parto de seu primeiro filho, Eric, de 3 anos, que nasceu de cesariana.
“Ele sabia que eu queria parto normal, mas me ofereceu adiantar a cirurgia para a 38ª semana, antes de viajar”, relata.
Magali foi categórica e disse que não queria marcar data, que queria entrar em trabalho de parto e não gostaria de uma segunda cesariana.
“Até parece que faria uma cesariana para acompanhar agenda de médico”, desabafa.
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Magali pediu, então, uma indicação de outro especialista, mas ouviu do médico que a acompanhava no pré-natal que ele tinha como política só indicar um segundo nome se houvesse necessidade.
Eles teriam ainda uma semana e meia antes do compromisso do profissional fora de Belo Horizonte… A empresária fingiu concordar, mas foi em busca de outra pessoa.
“Eu preferia ter meu filho com um plantonista do que tirá-lo antes da hora”, enfatiza.
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A mãe de Eric e Breno, que tem 15 dias de vida, diz ter encontrado um médico “super a favor do parto normal que não colocou a minha primeira cesárea como impedimento e ainda não cobrava ‘por fora'”. A data prevista para o caçula nascer era 24 de janeiro, mas no dia 22, o garotinho deu sinais de que queria vir ao mundo.
“Durante a madrugada senti minhas primeiras contrações e fui para o hospital, fiquei 6 horas em trabalho de parto, o médico me sugeriu esperar mais um pouco, mas eu já estava com muita dor e optei pela cesariana.
O Breno estava sentado e nasceu com 4,045 quilos”, finaliza a empresária.
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A história de Magali ilustra bem um fenômeno no Brasil que tem sido chamado de paradoxo epidemiológico, ou seja, nas regiões mais desenvolvidas (Sul e Sudeste) é maior a incidência de prematuridade. Um estudo do Unicef em parceria com o Ministério da Saúde mostra que, a cada ano que passa, aumenta o número de bebês que nascem prematuros por aqui.
Em 2000, o índice era de 7%; em 2014 chegou a 12,5% e coloca o Brasil no mesmo patamar dos países de baixa renda, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Na Inglaterra, por exemplo, esse índice é 55% menor.
“Pesquisas apontam uma estreita relação entre prematuridade e cesariana marcada”, afirma a coordenadora da Linha de Cuidados Neonatais do Hospital Sofia Feldman, a médica neonatologista Raquel Lima.

Para estabelecer essa relação com exatidão mais estudos são necessários, mas um exemplo brasileiro reforça essa associação.
Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky cita um modelo que tem sido adotado pela Unimed Brasil para reduzir os índices de cesarianas em suas maternidades.
Na unidade de Jaboticabal, em São Paulo, o projeto conseguiu reduzir a incidência de cesariana de 99,3% para 50% e baixar a zero a incidência de prematuridade, isso em apenas um ano, entre 2012 e 2013.
Além disso, aconteceu uma redução de 60% no número de internações em UTI neonatal.
“A observação em curso dos efeitos para redução de cesariana no Brasil estão apontando claramente a relação com a prematuridade”, afirma Lansky.

A cesariana marcada, sem indicação médica, é um problema porque o tempo de uma gravidez não é exato, alguns bebês vêm ao mundo com 38 semanas e outros com 42. O risco de fazer uma cesariana na 38ª semana de gestação é que o bebê pode ter apenas 36 semanas, ou seja, nasceria prematuro.
É sempre bom lembrar que a prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil no primeiro mês de vida.
Um estudo que gerou burburinho na semana passada, divulgado pelo Perinatal Institute, uma ONG britânica, mostra que a data provável de parto (DPP) quase nunca é precisa: apenas 4% dos bebês nascem na data estimada.
Ou seja, a estimativa da DPP falha em 96% das vezes.

Entenda a contagem

Diretor clínico do Hospital Sofia Feldman, o ginecologista e obstetra João Batista Lima explica que o padrão internacional da contagem da idade gestacional parte do último dia da menstruação. “A essa data, soma-se 280 dias”, explica.
Segundo ele, se após o ultrasson – que precisa ser feito no primeiro trimestre de gravidez – houver uma diferença superior a cinco dias entre a data da última menstruação e idade gestacional que o exame mostra, o médico passa a considerar a informação do exame.

O especialista afirma ainda que o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade de Medicina Fetal dos Estados Unidos elaborou uma subdivisão que define o que é considerado ‘gestação a termo’. “Existe uma expectativa de que a OMS passe a adotar essa definição também”, enfatiza.
Atualmente, a OMS considera ‘a termo’ quando o bebê nasce entre 37 e 42 semanas.
Veja como é a subdivisão que já está sendo adotada:.

Termo precoce: de 37 a 38 semanas e 6 dias

Termo completo: de 39 a 40 semanas e 6 dias – Momento ideal pra os bebês nascerem.

Termo tardio: de 41 a 41 semanas e 6 dias

Pós-termo: após 42 semanas

Entenda a relação entre cesariana marcada e o risco de prematuridade

Ou seja, antes de 37 semanas (ou 36 semanas e 6 dias) o bebê é considerado prematuro. “No Brasil já começamos a usar essas referências até para alertar as mulheres de que não se deve fazer uma cesariana eletiva (marcada) antes de 39 semanas”, reforça João Batista.
Para ele, no entanto, como nenhum método de datação é preciso ele não recomenda cesariana antes de 40 semanas.
Essa referência, de acordo com o ginecologista, é, inclusive, utilizada como indicador de qualidade das maternidades no país.

Para ele, do ponto de vista técnico, a cirurgia de extração fetal antes de 39 semanas é uma conduta errada, mas condizente com a cultura de cesariana que assola o país: na rede privada o índice é 88%, na rede pública, 46%, enquanto a recomendação da OMS é de 15%. “Progressivamente estão sendo feitas cesarianas mais precocemente.
Esperar significa aumentar a chance de a mulher entrar em trabalho de parto espontâneo, o que apesar de não impedir a cirurgia foge ao critério de parto planejado”, explica.
João Batista diz que os bebês que nascem de cesariana no país têm, em média, duas semanas a menos de idade gestacional em relação aos que nascem de parto normal.

Ginecologista, obstetra e membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras e de Minas Gerais (SOGIMIG), Marcos Taveira afirma que o trabalho de parto é a única certeza de que o bebê está pronto para nascer.
Num mundo hipotético, segundo ele, se a mulher soubesse com certeza absoluta a data da última menstruação, existiria uma grande chance de a estimativa da data de parto corresponder à idade gestacional mostrada pelo ultrasson.
“Se o exame é realizado nas primeiras nove semanas de gestação, temos um ‘erro’ na estimativa que varia de três a cinco dias, o que é considerado pequeno.
Se o exame for realizado entre 9 até 12 semanas, a diferença aumenta para cinco a sete dias.
De 20 a 28 semanas, a diferença da idade gestacional varia entre 14 a 20 dias e, a partir de 28 semanas pode chegar a 30 dias de diferença”, detalha.

Segundo Taveira, mesmo se a mulher tiver certeza absoluta da data da última menstruação e o resultado do ultrasson coincidir dentro da margem de erro sete dias, pode acontecer de o bebê nascer prematuro com uma cesariana de 39 semanas. “O imponderável acontece, 100% de certeza não há como.
Para ter segurança absoluta, a mulher tem que entrar em trabalho de parto”, salienta.
Para ele, no entanto, a mulher que deseja uma cesariana não quer entrar em trabalho de parto porque não quer sentir contração.
“Do ponto de vista de conforto, não seria o ideal”, diz.

Marcos Taveira reforça o risco de fazer uma cesariana antes da 39a semana: “o bebê pode ter problemas respiratórios, síndrome do pulmão encharcado e necessidade de UTI”.
O médico afirma que a ideia da cesariana com data marcada está sendo muito combatida atualmente: “O importante nesse contexto todo, é o conceito de que cada dia que o bebê passa dentro do útero da mãe é vantajoso para ele, desde que sem risco para mãe ou para o feto.
É algo que está bem incorporado por todos os médicos.
Mesmo em gestações de alto risco, todo o esforço é para ir o mais longe possível.
O combate à prematuridade está sendo feito com unhas e dentes”, reforça.

Opinião de pediatra

Entenda a relação entre cesariana marcada e o risco de prematuridade

Raquel Lima e Sônia Lansky defendem a espera pelo trabalho de parto para não arriscar em prematuridade ou imaturidade. Para elas, é a forma mais segura para se evitar riscos para a criança. “Um bebê que nasce com menos de 39 semanas tem duas ou três vezes mais risco de morbidade”, afirma Raquel Lima.
Entre eles, patologias respiratórias, distúrbios metabólicos, mais chance de ter hipoglicemia, icterícia mais severa e dificuldade de sucção para mamar.

Segundo ela, quando o bebê nasce, o pediatra realiza exames para avaliar a idade gestacional da criança. Entre os mais conhecidos estão o método de Capurro e o New Ballard que consistem em avaliar características físicas da criança. “Cada característica física analisada recebe uma pontuação que permite estimar a idade pela média das notas”.
Por exemplo, quanto mais fina a pele, mais prematura é a criança.
As preguinhas dos pés também são um indicador: recém-nascido sem nenhuma ‘dobrinha’ provavelmente tem uma idade gestacional menor.
A partir desses testes, que incluem também a formação da genitália e características da orelha, o pediatra avalia se a idade gestacional calculada (feita pelo obstetra) é compatível com a idade gestacional estimada (feita pelo pediatra) e a informação entra no registro da Declaração dos Nascidos Vivos.

Para Sônia Lansky, o Brasil tem a oportunidade de incluir o pediatra no acompanhamento à gestante. “Temos hoje uma relação hierárquica, quase solitária, da mulher com o médico, que prejudica a informação. O pediatra seria mais um profissional que poderia ajudar na assistência ao parto”, afirma.

A especialista chama atenção para outro indicador – além da prematuridade. “Os índices de baixo peso ao nascer também têm aumentado no Brasil, a média é próxima a 2,5 quilos”, alerta. Para se ter uma ideia, 2,5 quilos é peso de bebê prematuro que nasce entre 37 e 38 semanas, segundo ela.
“Não atingimos mais nem 40 semanas de gestação, que é a média esperada, e nem 3 quilos, que é média da normalidade de peso.
Não se vê mais bebê com 3 quilos no setor privado”, afirma.

Para ela, mesmo uma cesariana com 39 semanas sem trabalho de parto é tirar um bebê que está imaturo em algum nível. Sônia Lansky reforça: “não é prematuro, mas é considerado termo precoce”. A pediatra explica que esse bebê está imaturo em algum nível da fisiologia e do sistema biológico.
“Ele tem imaturidade neurológica, pulmonar, intestinal e dos rins.
Ele não tem problema grave como o prematuro, que não consegue respirar, mas também terá dificuldades respiratórias.
As últimas semanas da gestação são importantes para o mecanismo fino do desenvolvimento.
Interromper esse desenvolvimento fino ou amadurecimento final do bebê pode levar à obesidade, diabetes, hipertensão na infância e na vida adulta.
Tudo isso, muito provavelmente pela privação do trabalho de parto, que é quando ocorre a interação da carga genética da mãe com o filho, e que protege os bebês de doenças, alergias e existem associações até com o autismo”, pondera.

Quase um mês de diferença

A psicóloga Aretha Castro é mãe de duas meninas: Marina, de 5 anos, e Carolina, de 3 anos e meio. “Não queria cesariana em nenhuma das vezes. Na gravidez da Marina fui diagnosticada na 24ª semana com diabetes gestacional. Fiz acompanhamento com nutricionista e endocrinologista para controlar o quadro usual de mãe e bebê engordarem muito.
Mas aconteceu o inverso: ao invés de engordar, paramos de ganhar peso.
No último mês, perdi um quilo.
Fiz dieta para fugir do risco do gigantismo.
Tenho 1,49 cm e meu marido, 1,85 e vivi aquele mito de que não conseguiria parir por ser uma mulher pequena.
Ouvia sempre da minha médica: ‘se ela ficar muito grande, você não terá parto normal'”, conta.

Com 37 semanas, Marina parou de ganhar peso. “Pensei, vou parar a dieta e começar a comer. Na sequência, fiz um ultrasson, ela voltou a ‘engordar’, mas a médica notou uma alteração na oxigenação cerebral. Ouvi dela: ‘se fosse minha filha marcava uma cesárea’. Fiquei desorientada com o risco e passei por uma cesariana com 38 semanas e cinco dias.
Marina nasceu com 2,450 quilos e 46,5 cm.
Achei que o baixo peso tinha relação com a dieta até nascer minha segunda filha com 52 cm e 3,380 quilos.
Ou a Marina nasceu prematura ou imatura”, acredita Aretha.

Após o parto, a mãe de Marina ficou intrigada, foi conferir o último ultrasson com o anterior e viu que o exame não apontava diferença nenhuma na oxigenação. “Ela não teve queda de oxigênio, foi o mito que ela inventou para me operar. Se fosse realmente falta de oxigênio, a cesárea tinha que ser de emergência e não para o dia seguinte…”.

Outra cesariana

No início da segunda gestação, a data provável de parto chegou a ser estimada em 22 de julho, mas Carolina nasceu em 15 de agosto, uma diferença de quase um mês. A garotinha também veio ao mundo de cesariana, mas dessa vez, Aretha entrou em trabalho de parto.
“Com 39 semanas e 4 dias minha médica me ligou e disse que se eu não entrasse em trabalho de parto até a 40ª, ela iria marcar a cesariana porque seria arriscado esperar em função do quadro de diabetes gestacional.
Pedi para que ela esperasse até sábado (quando eu completaria as 40 semanas), ela disse que era dia do aniversário dela e falou que se eu quisesse esperar teria que ir ao consultório dela assinar um documento assumindo os riscos.
Eu respondi que assinava”, recorda-se.

Aretha conta que, naquele dia, conversou com Carolina pedindo para que a filha a ajudasse a entrar em trabalho de parto. “À noite fomos para o hospital sem a minha médica saber e já estava com 3 cm de dilatação e sentindo contrações.
Minha ideia era que a Carol nascesse com plantonista, mas quem me atendeu conhecia a minha médica, viu o nome no cartão de pré-natal e ligou pra ela.
Quando ela chegou me deu ocitocina para acelerar o trabalho de parto, eu cheguei a 10 cm de dilatação, mas ela avaliou que o quadro não estava evoluindo e, como eu era pequena, não teria passagem.
Antes de fazer a cesariana, me disse: ‘você experimentou de tudo de um parto normal, não era isso que você queria?'”, relembra a psicóloga.

Apesar de Carolina ter ido direto para os braços da mãe após o nascimento e mamado na primeira hora de vida – situação que Aretha não viveu com Marina que precisou de berço aquecido e a mãe só foi vê-la 6 horas depois que veio ao mundo -, a psicóloga teve hemorragia, passou por uma cirurgia em que foi necessário retirar o útero e ficou dois dias no CTI longe da filha.
Ela e o marido tinham o sonho de uma família grande, com quatro filhos.

Novas regras de partos não garantem fim da ‘cultura da cesárea’ no Brasil

Apenas três em cada dez mulheres começam a gestação considerando o parto por cesariana, mas oito acabam optando por ela. Para reverter o número, o Ministério da Saúde publicou novas regras que visam estimular a prática do parto normal no país

Não há pesquisa que indique como as mulheres brasileiras enxergam o momento de dar à luz, mas os dados referentes ao nascimento de bebês no país sugerem que o medo e a falta de informação podem ser grandes influenciadores dessa decisão.
Os números são estarrecedores: 84% dos partos feitos na rede privada e 40% dos realizados na rede pública são cesáreas.
Ambos os números estão bem acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Com a intenção de reverter esse quadro considerado epidêmico o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicaram na última quarta-feira novas regras para estimular o parto normal.

O medo é apenas um dos fatores que pode estar levando as mulheres na direção oposta do parto normal.
“Parto com muita intervenção é causa de sofrimento para a mulher e em uma cultura assim, ele se torna um momento de horror”, afirma a pediatra e coordenadora da Comissão Perinatal e dos Comitês de Prevenção de Óbito Materno e Infantil da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte Sônia Lansky.
Entre as principais causas de violência obstétrica estão a episiotomia (corte entre a vagina e ânus), registrada em 53,5% dos partos vaginais no Brasil, e o uso exacerbado de ocitocina sintética para agilizar o trabalho de parto, que traz malefícios na hora para a mulher e posteriores para a criança.

Entenda a relação entre cesariana marcada e o risco de prematuridade

Outro fator é a influência médica. De acordo com a pediatra, apenas três a cada dez mulheres começa a gravidez considerando a cesariana, mas oito delas acabam optando por esse tipo de parto.
O que as faz tender para a cesariana? A ideia de um parto cercado de sofrimento é considerada como um dos motivos para a mudança, no entanto, ela não descarta que, em vários casos, existe sim o estímulo do profissional motivado por interesses não médicos, seja a comodidade ou o financeiro.

Mesmo diante desses desafios, Lansky é otimista em relação às novas regras referentes ao nascimento no Brasil. “Acho que elas podem sim ajudar no estímulo ao parto normal. O fato do assunto agora estar na mídia e ser discutido pela sociedade mostra que a cesariana, como se faz, é um problema grave de saúde publica.
Só de se fazer essa medida já alerta a população de que isso não está adequado”, pontua.

A nova resolução traz, entre outras coisas, mais transparência sobre as práticas de hospitais e médicos. Ela determina que a mulher atendida por médicos de planos de saúde poderá solicitar e ter acesso, em até 15 dias, ao índice de partos normais e cesáreos feitos pelo profissional, hospital ou plano.
Caso não entreguem os dados no período determinado, as operadoras dos convênios arcam com multa de R$ 25 mil.

Outra mudança trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem o cartão da gestante, de acordo com padrão definido pelo Ministério da Saúde, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal.

Para evitar cesáreas desnecessárias, também será obrigatória a apresentação do partograma – relatório gráfico sobre o que acontece durante o trabalho de parto – para pagamento do procedimento ao profissional. Se não entregar, o médico deverá justificar ao plano a ausência do documento.

O presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Etelvino Trindade, elogia as iniciativas, mas diz que alguns pontos devem ser discutidos. “A informação do índice de partos pode expor os médicos e deveria ser analisada em contexto. Ela pode ser injusta.
Um hospital com tecnologia mais adequada para receber pacientes de maior complexidade, por exemplo, deve ter mais cesarianas”, diz.

Trindade avalia ainda que terão de ser feitas adaptações no sistema para atender a demanda por partos normais, como aumentar os plantões obstétricos. Para o médico, o índice de cesarianas reduzirá, mas a meta de 15% da OMS é inatingível. “As pessoas estão tendo filhos mais tarde, com partos de maior risco, por exemplo.
Partindo de uma taxa acima de 70%, reduzir para 50% nos próximos dois anos está excelente.

A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade.

Nova cultura

Historicamente, a ausência de um sistema regulatório efetivo era tido como um dos principais complicadores no incentivo ao parto normal, assim como o papel referencial de orientação da classe profissional. Com as novas regras focadas nesses dois fatores, a expectativa é de melhorias.
No entanto, a mudança na cultura das brasileiras é fundamental para a reversão da quantidade de cesarianas.

Para tanto, uma questão, das tantas que rodeiam o assunto, merece ser repetida entre as mulheres: por que não fazer um parto normal? Em outras culturas que reconheceram os riscos da cesariana esse questionamento já é natural.
“Aqui as mulheres ainda acham um conforto ter tudo organizado como se a gente pudesse oferecer o momento de nascer algo planejado e não respeitar a natureza do bebê.
Fazer cesariana aqui é ainda visto como um status”, pondera Sônia Lansky.
“Temos uma série de coisas para mudar, entre elas a garantia de que a mulher seja a protagonista no parto.
Isso foi retirado dela e colocado no profissional de saúde, fazendo o parto passar a ser um ato cirúrgico e não um ato de poder da mulher”, completa.

Para se aprofundar mais no assunto, veja esses 3 vídeos e tire suas dúvidas!

Parto normal ou cesária? Tire suas dúvidas no vídeo abaixo:

Parto prematuro: saiba mais nos dois vídeos abaixo:

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