Estresse pós-traumático tem diagnóstico difícil

Biomarcadores e sofwares ajudam no diagnóstico preciso do transtorno do estresse pós-traumático. Problema acomete até 10% de vítimas de violência e tragédias naturais. A análise do sangue e cálculos computacionais surgem como potenciais ferramentas para o diagnóstico.

Todo sofrimento deixa cicatriz. Mas, em algumas pessoas, a ferida parece não querer fechar.
Quando a dor persiste além do esperado, acompanhada de sintomas como afastamento social, sensação de medo e flashbacks constantes, é possível que se esteja sofrendo de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), um distúrbio de ansiedade que pode afetar qualquer um, mas que é mais frequente em indivíduos que passaram por episódios como acidentes, tragédias naturais ou guerras.

A intervenção precoce é apontada por especialistas como estratégia importante para evitar que o choque inicial persista a ponto de se caracterizar como TEPT. Contudo, esse é um difícil diagnóstico. Afinal, não há como saber quem vai se recuperar normalmente e quem continuará a sofrer o trauma dia após dia.
Para resolver o problema, pesquisadores procuram métodos seguros de detecção: seja por meio de biomarcadores, seja com auxílio de um programa de computador.

Professor e codiretor do Centro de Veteranos Cohen da Universidade de Nova York, o psiquiatra Arieh Y. Shalev diz que entre 5% e 10% das pessoas que passam por um evento traumático desenvolvem o problema.
“Já conhecemos alguns fatores que aumentam o risco do TEPT, mas não há um protocolo claro para os médicos identificarem quais pacientes desenvolverão distúrbios mentais”, diz.
Por isso, ele contou com a ajuda de cientistas computacionais da universidade norte-americana para criar um algoritmo capaz de identificar os indivíduos mais propensos a desenvolver o estresse pós-traumático e, assim, possibilitar uma intervenção precoce.

Shalev explica que, mais do que um simples caminho das pedras, o novo algoritmo é protocolo com 800 variáveis.
“Diferentemente de muitas outras doenças, o TEPT inclui uma gama de fatores de risco, como a resposta pessoal ao evento, a característica do episódio traumático, as primeiras respostas físicas e neuroendócrinas, a genética e o próprio ambiente em que a pessoa está inserida.
Se quiser ser precisa, uma ferramenta de predição tem de levar cada uma dessas nuances em consideração”, observa.
“Muitos dos indicadores de risco já conhecidos podem não estar presentes em algumas pessoas.

Para desenvolver o software, Shalev usou dados do Estudo de Prevenção de Trauma Jerusalém, do qual participaram 4.743 pessoas de 18 a 70 anos que estiveram no pronto-socorro após algum trauma. O psiquiatra e a equipe conduziram uma série de entrevistas por telefone com os sobreviventes e identificaram sintomas do TEPT em 1.502 casos.
Esses indivíduos foram convidados a fazer novas entrevistas, mas, desta vez, pessoalmente.
Depois da coleta de dados, os cientistas projetaram o algoritmo com base nas muitas variáveis e descobertas.
Quando aplicado em até 10 dias de um evento traumático, o software conseguiu apontar com eficácia as pessoas com risco de desenvolver o transtorno.

Shalev diz que, embora tenha se mostrado bastante preciso, o algoritmo ainda não está pronto. “Por enquanto, é apenas um modelo. Precisamos testá-lo em outras populações antes de poder aplicá-lo universalmente”, diz.
A equipe da Universidade de Nova York já está providenciando isso: com o auxílio de pesquisadores de Columbia e Harvard, os cientistas começaram a incorporar no algoritmo dados coletados em 19 centros clínicos do mundo todo.

Biomarcador

Uma outra abordagem que está sendo pesquisada para a identificação precoce do TEPT é o exame de sangue. A presença de algumas substâncias na corrente sanguínea – chamadas biomarcadores – pode dar pistas sobre pessoas mais propensas a desenvolver o transtorno.
Na Universidade da Califórnia em San Diego, estudiosos utilizaram amostras de sangue de marines americanos que serviram em campos de batalha para buscar essas marcas.

Embora o termo transtorno do estresse pós-traumático tenha sido cunhado apenas na década de 1980, desde a Primeira Guerra Mundial, psiquiatras e médicos notaram que os combatentes voltavam das trincheiras com sintomas persistentes de trauma.
Hoje, sabe-se que, entre os soldados, os percentuais do transtorno são maiores que na população em geral – nos Estados Unidos, o Departamento de Assuntos de Veteranos calcula que 30% dos que lutaram no Vietnã sofrem de TEPT, problema que atinge 20% dos soldados que estiveram no Afeganistão e no Iraque.

Na pesquisa, os cientistas coletaram amostras de sangue antes e depois de os marines serem mandados para as zonas de conflito.
No exame daqueles que desenvolveram o transtorno, foram identificadas substâncias associadas à produção de interferon, uma proteína responsável por desencadear a resposta imunológica do organismo, indicando que o sistema imune de indivíduos mais propensos ao TEPT responde ao trauma de forma diferente.
 “Os resultados podem ajudar a desenvolver abordagens mais precisas para o diagnóstico e o tratamento de pessoas com transtorno pós-traumático”, diz Christopher Baker, pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego que conduziu o estudo.
“A ideia é termos indicadores para prevenção precoce e tratamento do TEPT já avançado.
Quem sabe poderemos pensar em terapias que impeçam um novo episódio do transtorno em pessoas que são propensas?”, cogita.
Ele esclarece, contudo, que o experimento foi feito com um número muito pequeno de participantes e precisa ser repetido antes que as conclusões sejam definitivas.

Em crianças, inflama o cérebro

Um estudo publicado na edição deste mês do Jornal de Pesquisa Psiquiátrica mostrou que, para crianças muito novas, eventos emocionais negativos podem ter o mesmo efeito de um trauma craniano. A conexão entre o trauma emocional e o físico é o aumento na produção da proteína S100B, que circula apenas na região cerebral.
Quando ela se desloca para a corrente sanguínea, é sinal de que a barreira que separa o cérebro do restante do corpo está vazando.
Isso permite que componentes inflamatórios cheguem à cabeça, desencadeando um processo chamado neuroinflamação.

Tatiana Falcone, pesquisadora do Instituto Neurológico da Clínica Cleveland, nos Estados Unidos, estudou 105 crianças diagnosticadas com distúrbio de humor ou psicose. Metade dos pacientes apresentava quadros distintos de trauma emocional.
“Quando procuramos os níveis dessa proteína S100B em pacientes expostos a traumas emocionais, eles eram tão altos quanto daqueles que tiveram um trauma craniano severo”, diz a médica.

Ela explica que, normalmente, quando uma pessoa chega à emergência médica após sofrer um dano físico na cabeça, é feito um exame de sangue que indica a presença da S100B. Se a taxa estiver normal, o paciente é observado entre quatro e seis horas e, depois, liberado para casa.
Contudo, se o nível da proteína estiver elevado, há indicação de que algo esteja ocorrendo no cérebro.
Os médicos, então, fazem exames de imagem para garantir que não é nada sério.

Na pesquisa, a equipe de Falcone descobriu que o mesmo se passa com o trauma emocional: os níveis da proteína S100B são mais altos que o normal. Quanto mais severo o trauma, mais altas as taxas da substância.
Os cientistas identificaram três importantes estressores que impactam na intensidade do trauma emocional: a idade em que ocorreu (se foi antes dos 8 anos), o nível de severidade e se durou mais que seis meses.
“Pacientes com dois ou três estressores apresentaram as mais altas taxas da proteína”, conta a médica.

De acordo com Falcone, pesquisas em curso avaliam vários marcadores inflamatórios em crianças com distúrbios psiquiátricos diversos, como depressão, estresse pós-traumático e psicose.
Embora o resultado do estudo sugira que um trauma na infância possa causar inflamação no cérebro similar a uma concussão, no caso do trauma emocional, o processo inflamatório dura mais, o que poderia ter consequências de longo prazo, como o desenvolvimento de doenças psiquiátricas tardias.

A médica espera, agora, descobrir uma forma de mudar a trajetória do trauma emocional no cérebro, de forma a evitar – com medicamento, psicoterapia ou o conjunto desses tratamentos – depressão, psicose e estresse pós-traumático.
“Conhecer os níveis de marcadores biológicos nos ajuda a identificar pacientes em alto risco e sugerir um tratamento intensivo e adequado”, diz.

Para saber mais, assista ao vídeo abaixo:

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