Fibrose cística: Mutação descoberta em brasileira pode facilitar o estudo da doença

Cientistas do Instituto Oswaldo Cruz identificam alteração genética em paciente carioca que desencadeia a doença e pode ser típica da população do Brasil. A descoberta facilita um diagnóstico mais regionalizado da enfermidade.

O que é

A Fibrose Cística, também conhecida como Mucoviscidose, é uma doença genética autossômica (não ligada ao cromossoma x) recessiva (que são necessários para se manifestar mutações nos 2 cromossomas do par afetado) causada por um distúrbio nas secreções de algumas glândulas, nomeadamente as glândulas exócrinas (glândulas produtoras de muco).
 O gene defeituoso é transmitido pelo pai e pela mãe (embora nenhum dos dois manifeste a doença) e é responsável pela alteração no transporte de íons através das membranas das células.
Isso compromete o funcionamento das glândulas exócrinas que produzem substâncias (muco, suor ou enzimas pancreáticas) mais espessas e de difícil eliminação.

O cromossoma afetado é o cromossoma 7, sendo este responsável pela produção de uma proteína que vai regular a passagem de cloro e de sódio pelas membranas celulares.

A proteína afetada vais ser a CFTR (regulador de condutância transmembranar de fibrose cística). E tal como a proteína, o próprio canal de cloro vai sofrer uma mutação do qual vai resultar um transporte anormal de iões de cloro através dos ductos das células sudoríparas e da superfície epitelial das células da mucosa.
Vai ocorrer então uma alteração no transporte dos iões de cloro através das glândulas exócrinas apicais, resultando dessa anormalidade, uma permeabilidade diminuída ao cloro, fazendo com que o muco da fibrose cística fique cerca de 30 a 60 vezes mais viscoso.
A água por sua vez, como vai seguir o movimento do sódio de volta ao interior da célula, vai provocar um ressecamento do fluído extracelular que se encontra no interior do ducto da glândula exócrina.

Embora o sistema de transporte mucociliar não se encontre afetado pela patologia, ele vai ser incapaz de transportar uma secreção assim tão viscosa.
Devido a essa incapacidade vai haver uma maior acumulação de muco, conduzindo ao aumento do número de bactérias e fungos nas vias, o que vai ser muito prejudicial, podendo levar mesmo a uma infecção crônica nos pulmões.
 É uma situação grave que pode também afetar o aparelho digestivo e outras glândulas secretoras, causando danos a outros órgãos como o pâncreas, o fígado e o sistema reprodutor.

Nos pulmões, as secreções acabam por obstruir a passagem de ar, retendo bactérias, o que pode conduzir ao aparecimento de infecções respiratórias.

No trato gastrointestinal, a falta de secreções adequadas compromete o processo digestivo, levando a uma má função intestinal devido a uma insuficiência pancreática. As secreções no pâncreas e nas glândulas dos intestinos são tão espessas e por vezes sólidas, que acabam por obstruir completamente a glândula.
 As glândulas sudoríparas, as parótidas e as pequenas glândulas salivares segregam líquidos cujo teor em sal é superior ao normal.

A Fibrose Cística engloba-se num grupo de patologias denominadas D.P.O.C (doença pulmonar obstrutiva crônica) que se caracterizam por haver uma obstrução crônica das vias aéreas, diminuindo a capacidade de ventilação.

Quando se utiliza o termo DPCO está-se a referir a todas as doenças pulmonares obstrutivas mais comuns como a bronquite crônica (tosse produtiva na maioria dos dias, por pelo menos 3 meses num ano), enfisema pulmonar (quando muitos alvéolos estão destruídos e os restantes ficam com o seu funcionamento alterado), asma brônquica e bronquietcasias (uma dilatação e distorção irreversível dos brônquios, devido destruição dos componentes da sua parede).

Fibrose cística: Mutação descoberta em brasileira pode facilitar o estudo da doença

Sintomas

A fibrose cística afeta os aparelhos digestivo e respiratório e as glândulas sudoríparas. A obstrução dos ductos pancreáticos pela secreção mais viscosa impede que as enzimas digestivas sejam lançadas no intestino. O paciente tem má absorção de nutrientes e não ganha peso, apesar de alimentar-se bem.
Apresenta também maior número de evacuações diárias e elimina fezes volumosas, com odor forte e gordurosas.

Essa obstrução por secreção mais espessa também pode acometer os ductos biliares. A bile retida no fígado favorece a instalação de um processo inflamatório. Entretanto, o aparelho respiratório é a área mais delicada da doença. O pulmão produz muco espesso que pode ficar retido nas vias aéreas e ser invadido por bactérias.
Outros sintomas são tosse com secreção produtiva, pneumonias de repetição, bronquite crônica.

A alteração do transporte iônico nas glândulas sudoríparas compromete a reabsorção de cloro. Níveis aumentados de cloro ajudam a reter água e sódio o que deixa o suor mais salgado.

Mulheres portadoras de fibrose cística têm mais dificuldade para engravidar porque o muco cervical mais espesso dificulta a passagem dos espermatozoides. Já 98% dos homens são estéreis, embora tenham desempenho e potência sexual absolutamente normais.

Resumindo: Os sintomas da fibrose cística variam muito em cada paciente, pois existem inúmeras mutações.

Nos recém-nascidos, os sintomas incluem, entre outros:

  • Nenhuma evacuação nas primeiras 24-48 horas
  • Dificuldade para ganhar peso normalmente na infância
  • Crescimento retardado
  • Pele salgada.

Os sintomas relacionados à função intestinal compreendem:

  • Perda de peso
  • Dor no abdômen
  • Náuseas e falta de apetite
  • Inchaço do abdômen devido a um aumento de gases
  • Fezes pálidas ou cor de argila e com odor fétido.

Os sintomas relacionados aos pulmões e seios nasais podem incluir:

  • Tosse ou aumento da mucosidade nos pulmões
  • Fadiga
  • Congestão nasal
  • Pneumonias freqüentes.

Diagnóstico

  • Teste do suor: é específico para diagnóstico de fibrose cística.
    Níveis de cloro superiores a 60 milimoles por litro, em duas dosagens, associados a quadro clínico característico, indicam que a pessoa é portadora da doença;
  • Teste do pezinho: feito rotineiramente nas maternidades para três doenças congênitas, deve incluir a triagem para fibrose cística.
    Embora existam falsos positivos, resultado positivo é sinal de alerta que não deve ser desprezado;
  • Teste genético: identifica apenas os tipos mais freqüentes da doença, porque as mutações do gene são muitas e os kits, padronizados.
    Mesmo assim, esse teste cobre aproximadamente 80% dos casos.
  • Nos recém-nascidos, a fibrose cística pode provocar obstrução ileomeconial.
    Portanto, se a criança não eliminar naturalmente mecônio nas primeiras 24, 48 horas de vida, é preciso dar continuidade à investigação.
  • Já no sistema reprodutor, as alterações são diferentes entre os sexos: as mulheres têm a fertilidade diminuída, mas têm chances de engravidar, considerando sempre sua condição clínica.
    Já os homens produzem espermatozoides, contudo, a maioria é infértil em função da obstrução do canal deferente (que transporta os espermatozoides até o testículo).

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Outros testes que identificam problemas que podem estar relacionados à fibrose cística incluem:

  • Raio X ou tomografia computadorizada do tórax
  • Teste de gordura nas fezes
  • Testes de funcionamento dos pulmões
  • Medição da função pancreática
  • Teste de estimulação da secretina
  • Tripsina e quimotripsina nas fezes
  • Serie do trato gastrointestinal superior (GI) e do intestino delgado

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Com o diagnóstico precoce e o tratamento adequado o portador de FC pode ter uma vida normal, ativa e produtiva!

Prevalência

Vinte por cento da população são portadores assintomáticos do gene da fibrose cística, uma doença que acomete mais os brancos puros, é mais rara nos negros e muito rara nos orientais.
Em países de grande miscigenação racial, a enfermidade pode manifestar-se em todo o tipo de população, mais cedo se o espectro das mutações do gene for mais grave e, mais tardiamente, se for mais leve.

Tratamento

O tratamento de fibrose cística evolui bastante nas últimas décadas. Isso garante aos pacientes vida mais longa e de boa qualidade.
 É fundamental para o tratamento da fibrose cística, além de garantir a reidratação e a reposição de sódio, especialmente nos dias de calor:

  • Boa nutrição do paciente, por meio de dieta rica em calorias sem restrição de gorduras.
  • Suplementação de enzimas pancreáticas para auxiliar a digestão;
  • Reposição das vitaminas lipossolúveis A, D, E, K (com suporte nutricional)
  • Inalações diárias com soro fisiológico, broncodilatadores ou mucolíticos, conforme as características da secreção.
  • Fisioterapia respiratória para facilitar a higiene dos pulmões e evitar infecções;
  • Prescrição de antibióticos em casa ou no hospital, nos casos mais graves.
  • Atividades físicas
  • Acompanhamento multidisciplinar frequente

Recomendações

  • Procure afastar qualquer indício de sentimento de culpa se seu filho for portador de fibrose cística.
    Você é tão culpado por ter-lhe transmitido esse gene quanto por ter transmitido o gene que lhe deu a cor dos olhos ou o tom da pele.
  • Verifique se o teste do pezinho inclui a triagem para a fibrose cística, quando nascer uma criança em sua família.
  • Esteja atento à boa nutrição do portador de fibrose cística.
    Paciente bem nutrido pode atingir as curvas normais de peso e altura.
  • Convença o paciente a praticar atividade física.
    Natação, por exemplo, ajuda a trabalhar a musculatura da caixa torácica.
  • Não se esqueça de que os portadores da doença, desde que adequadamente tratados, conseguem levar vida normal e de boa qualidade.

Mutação descoberta em brasileira pode facilitar estudo da fibrose cística

Mais uma mutação responsável pela fibrose cística – doença genética que causa problemas intestinais e pulmonares – foi descoberta por pesquisadores brasileiros. Geneticistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no Rio de Janeiro, identificaram uma mutação em uma brasileira que, segundo eles, pode ter sido herdada de africanos.
A novidade tem potencial para ajudar no diagnóstico da doença incurável e proporcionar melhores benefícios decorrentes do tratamento médico.

A pesquisa teve início em 1994, quando Giselda Kalil e a equipe liderada por ela passaram a investigar a fundo a fibrose cística. Em março deste ano, eles conseguiram decifrar uma mutação responsável pela doença em uma paciente carioca negra.
“Utilizamos técnicas de rastreamento feitas em laboratório e percebemos que a pessoa tinha uma nova mutação que altera a estrutura do gene produtor da proteína responsável pela fibrose”, destaca Kalil.

A alteração genética identifica no IOC soma-se às 1.938 mutações relacionadas ao gene da fibrose cística já descobertas por cientistas. Ainda assim, o trabalho desenvolvido no instituto brasileiro poderá ajudar em um diagnóstico mais regionalizado da enfermidade, segundo Kalil. “A nossa origem é europeia, com africanos e índios.
Não sabemos se essa mutação foi trazida de outros ancestrais, apesar de existir essa possibilidade.
Nossa ideia é continuar estudando e cobrir toda a população, fazendo mais testes, para confirmar se ela (a mutação) seria mesmo característica do nosso país.

Kalil ressalta que, desde 1939, as pesquisas em fibrose cística focam as mutações genéticas. Ao desvendá-las, acreditam os estudiosos, é possível aperfeiçoar o diagnóstico e fazer com que ele seja feito o mais cedo possível. “O tratamento é sempre o mesmo.
Independentemente do tipo de mutação existente, consiste no uso de medicamentos que corrigem as falhas causadas pelo defeito no gene, mas descobrir o mais cedo possível é de fundamental importância para a sobrevida do paciente”, explica.

Marcos Borato Viana, professor do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a descoberta feita pelos pesquisadores brasileiros é importante por mostrar um panorama da doença no nosso país. “Existem milhares de mutações relacionadas à fibrose cística.
Se encontramos uma mutação diferente, que for frequente na nossa população, pode ser interessante para auxiliar no diagnóstico, já que, muitas vezes, o teste tem que ser refeito até que tenhamos certeza de que encontramos algo relacionado à doença”, destaca o pesquisador, que não fez parte do grupo do estudo.

Viana ressalta, porém, que a melhora no tratamento pode demorar, já que, no caso de doenças genéticas, as intervenções costumam ser mais complexas. “É difícil falar em melhoras no tratamento para chegar à cura, pois elas demorariam muito para serem desenvolvidas dado a complexidade da situação, de mexer na estrutura do DNA.
Mesmo assim, é muito importante descobrir a origem dessas enfermidades, pois essas novas informações podem contribuir na terapia, que, feita desde cedo, ajuda a amenizar os sintomas”, destaca.

Viana acrescenta que outras pesquisas importantes têm sido realizadas para melhorar o tratamento dos males gerados pela fibrose cística. “Os australianos, em um estudo recente, conseguiram interceptar uma substância que indicaria quais fatores agravariam os problemas nos pulmões.
A pesquisa é inicial, mas promete ajudar em tratamentos futuros”, destaca o especialista.
Uma das complicações da fibrose cística é o acúmulo de muco nos pulmões, comprometendo a passagem do ar.
A desnutrição provocada pela falta de uma enzima pancreática responsável por absorver alimentos também é, de acordo com o pediatra, uma das condições mais preocupantes.

Falhas de transporte

Esses problemas acontecem devido a alterações no gene regulador de condutância transmembranar de fibrose cística (CFTR), produtor de uma proteína que prejudica o transporte do cloro no organismo. Os tecidos exócrinos, que produzem substâncias mais espessas, como o muco e as enzimas pancreáticas, têm, então, o funcionamento comprometido.
“Por essa falha, o indivíduo vai ter problemas em diversos órgãos, sendo que o mais comum é o intestinal, a criança evacua fezes mais gordurosas, além de problemas pulmonares “, explica Giselda Kalil.

De acordo com Rui Pilloto, geneticista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as mutações diversas da fibrose cística nem sempre causam a doença, mas precisam ser identificadas. Por isso, a importância dos testes feitos já no nascimento.
“Temos dois, o de pezinho, que desde 2011 é obrigatório em todo o país; e o que chamamos de padrão, feito com o suor e que serve como confirmação do primeiro.
Detectar cedo evita complicações como a bronquite crônica e a pneumonia, que podem deixar a criança frágil”, destaca o especialista.

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