Gestação e parto podem interferir diretamente no comportamento futuro do bebê

Estudos comprovam que o feto, ainda no útero, está mais suscetível ao que acontece no mundo externo do que se imagina.

Há uma lista de respostas convencionais a questões sobre o que nos faz ser quem somos: mais calmos ou ansiosos; medrosos ou corajosos; agressivos ou pacíficos. Geralmente, os protagonistas dessas respostas são os nossos genes, que seriam responsáveis pela maioria das nossas características.
Nossa personalidade seria ainda definida pela forma como fomos criados.
Nossa saúde dependeria também do estilo de vida que levamos.
Aos poucos, no entanto, a ciência associa tudo isso à vivência que se teve antes de nascer, dentro do útero, e no nascimento em si, na hora do parto.

Pesquisas indicam que, mesmo dentro do útero, o feto não estaria completamente protegido do que acontece no meio externo.
Além disso, as atitudes da gestante e as situações às quais está exposta – perda ou ganho de peso, estresse, qualidade do ar que respira, forma de se alimentar – seriam tão importantes na configuração das características do filho quanto a genética.

Por muito tempo, a ciência concordou com a hipótese de que não havia consciência inata. Bebês nasceriam sem conhecimento anterior. Uma reviravolta nessa teoria ocorreu nos anos 1980, com o lançamento do livro A vida secreta da criança antes de nascer, do psiquiatra tcheco Thomas Verny, especialista em psicologia pré e perinatal.
Baseada em pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Canadá, Suécia, Suíça, França, Inglaterra e Nova Zelândia desde os anos 1930, a obra foi recebida com ceticismo por parte de muitos profissionais.

Atualmente, são muitos os estudiosos dessa área tão misteriosa quanto reveladora: o útero materno e a vida do feto dentro dele. O estudo mais recente foi publicado na revista Pnas, da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Pesquisadores da Universidade de Michigan e da Universidade de Nova York identificaram que mesmo dentro do útero a criança já pode começar a desenvolver traumas.
Em situações de medo vividas pela gestante, o odor de substâncias químicas secretadas pelo organismo dela é identificado pelo feto, que aprenderá a associar esses cheiros a coisas ruins.
Segundo os cientistas, muitas fobias e pavores inexplicáveis podem ter origem na fase intrauterina.
Eles investigaram o comportamento de roedores cujas mães aprenderam a temer o cheiro de hortelã.
Os cientistas perceberam nos primeiros dias de vida dos filhotes que as ratas ensinaram esse medo à descendência por meio do odor que exalavam em situações de estresse.

Quando Mônica Mulatinho (foto ao lado), 40, pediatra, ficou grávida das filha gêmeas fertilizadas, de 5 anos, foi tudo um sonho. Ela tentava engravidar há muito tempo e foi tudo devidamente planejado. Cerca de dois anos depois, aconteceu o inesperado: ela engravidou naturalmente. “Foi uma grande surpresa, mas foi desesperador também.
Teríamos que reorganizar tudo para acolher mais o Pétrus na família e isso incluía esticar a casa para cabê-lo”, conta Mônica.
Os problemas começaram desde o dia em que ela descobriu estar grávida: já sentiu uma travada na coluna, precedendo todo o estresse que viria ao longo da gravidez.

Tomava todo cuidado para não ingerir os remédios que fariam mal ao feto, mas se se estressava com o envolvimento com as obras da casa, era “um banho de cortisol”, hormônio do estresse, em seu organismo e também no do bebê que carregava. Cada pico de nervosismo era uma carga energética para Pétrus, mas era difícil para Mônica evitar.
Com 35 semanas de gravidez, ela chegou ao clímax de um transtorno ansioso, a síndrome do pânico, com taquicardia, sudorese e outros sintomas.
“Foi um malabarismo ficar equilibrada sem tomar remédio.
Mas deu certo”, conta aliviada.

Com uma mistura de ioga, acupuntura e outras técnicas alternativas, Mônica conseguiu levar a gravidez até o fim sem outros problemas. Como culpa é sentimento intrínseco de mãe, ela temia que Pétrus nascesse nervoso ou com dificuldades para dormir. Felizmente, até hoje, ele não deu sinais de ter sido afetado negativamente.
“Ele é até mais calmo que as gêmeas, mas talvez ele não seja tão calmo quanto poderia ser.
O exercício físico, o sexo, tudo isso é um banho de serotonina, que, ao contrário do cortisol, é o hormônio da serenidade, então, é muito importante para a gestante.
E é uma forma de cuidar bem de seu bebê quando ele ainda está na barriga”, sugere.
A preocupação procede, pois a qualidade da gestação pode ter consequências de longo prazo, apontam alguns estudos.

Em 2011, outra pesquisa relacionada ao estresse de gestantes e os efeitos sobre o feto foi realizada. A equipe da Universidade de Kontanz, na Alemanha, responsável pelo estudo, pôde observar que houve alterações biológicas em um receptor de hormônios associados ao estresse em fetos cujas mães estavam sob tensão intensa.
O resultado do estudo em 25 mulheres e seus filhos – hoje com idades entre 13 e 21 anos – foram publicados na revista científica Translational Psychiatry.
As famílias foram acompanhadas e, cerca de 10 a 20 anos depois, os adolescentes passaram por avaliação, constatando que alguns deles apresentavam alterações em um gene em particular – o receptor de glucocorticoide (GR), responsável por regular a resposta hormonal do organismo ao estresse.
A alteração identificada parece tornar o indivíduo mais sensível ao estresse, fazendo com que ele reaja à emoção mais rapidamente, dos pontos de vista mental e hormonal.

Os pesquisadores, no entanto, fazem ressalvas: as circunstâncias das mulheres que participaram desse estudo eram excepcionais. A maioria das grávidas não seria exposta a graus tão altos de estresse durante um período tão longo. Eles enfatizaram também que o ambiente social em que as crianças cresceram pode ter interferido nos resultados.

Sentidos semana a semana

Semana 7: Os ouvidos do feto ainda estão crescendo e, a partir daí, começam a afinar a capacidade auditiva. Já dá para conversar um pouco e colocar músicas tranquilas para ele ouvir.

Semana 11: Os dedos já estão separados, então, ele deve começar a abrir e fechar a mão em breve.

Semana 14: O futuro bebê já consegue perceber a diferença entre os sabores do açúcar e do sal, suas papilas gustativas começaram a funcionar.

Semana 15: Os olhos ainda estão fechados, mas ele já percebe alterações na luz externa.

Semana 21: As pálpebras começam lentamente a se abrir.

Semana 23: A partir de agora, ele percebe com mais exatidão os sons, principalmente os mais graves, já difere os ritmos de fala e distingue melodias.

Semana 26: Ele está aprimorando os sentidos. A audição já estava boa na semana passada, mas ficará ainda melhor no término desta, com o surgimento de novas terminações nervosas no ouvido.

Semana 30: O bebê percebe a diferença de luz quando você sai de um lugar iluminado para um escuro ou vice-versa. As retinas estão bem evoluídas e o bebê, mais sensível a todos os sentidos. Aproveite e acaricie a barriga, que ele vai sentir o tato e pode até retribuir o carinho, esticando pés e braços em direção à barriga.
Quanto ao paladar, o único sabor que ele já experimentou foi o do líquido amniótico, que ele engole e inala continuamente.
De acordo com pesquisadores, essa substância é adocicada.

Semana 32: O feto está conectado com tudo o que acontece do lado de fora. Percebe os ruídos – embora o som seja abafado pelo líquido amniótico – e continua percebendo a mudança na luminosidade dos ambientes.

Cresce procura de casais por ajuda de psicólogos especializados em pré-natal

Foi criada a especialidade, dentro da psicologia, focada no período pré e perinatal, que estuda, basicamente, as consequências das experiências vividas durante a gestação, o parto e os primeiros meses ou anos de vida para a saúde física e mental futura do homem.

A mudança do papel social do casal grávido é uma questão que pode gerar conflitos internos. Durante nove meses, instala-se uma nova identidade aos dois, que deixarão de ser apenas filhos para se tornarem também pais. É uma transição que faz parte do processo de desenvolvimento e envolve a necessidade de restruturação em várias dimensões.
“O processo da gestação está também constituindo o pai e a mãe e a relação entre eles”, explica Nadja Rodrigues, mestre em psicologia clínica e membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (Abebê).
A mulher é a que fica mais vulnerável nessa situação, afinal, vivencia um período de reorganização corporal, bioquímica, hormonal, familiar e social.
Os sentimentos ficam à flor da pele e pode acompanhar todo o período gestacional, ao lado de insatisfação, insegurança, incerteza e medo do que há por vir.
A maior parte das brasileiras ainda faz o pré-natal apenas com um médico ginecologista e obstetra, sem levar em consideração o lado nutricional e psicológico do processo.

Assim que descobriu que estava grávida, Giselle Carados (foto ao lado), 34, bancária, já pensou que precisaria mudar algumas coisas em sua vida. Ela e o marido queriam um filho, então, ela parou de tomar o anticoncepcional. Eles só não esperavam que o resultado seria tão rápido, antes mesmo de terminarem a obra da casa.
Ela também não imaginava que viria tão cheio de responsabilidade.
“Me toquei de que, a partir dali, eu precisava me cuidar por mim e pelo meu bebê.
Eu já não era só uma”, conta.
Já tinha frequentado diversos nutricionistas, mas nunca seguido as orientações à risca.
Dessa vez, resolveu que apenas colocaria em prática tudo aquilo que sempre ouvia deles: “Passei a comer de três em três horas e muitas frutas, que antes não compunham muito minha dieta”.
Giselle também começou a se exercitar.
As medidas fizeram com que ela chegasse ao fim da gravidez pesando menos do que quando começou.

Por sempre ter se considerado uma pessoa muito ansiosa, Giselle optou também por ter o acompanhamento de um psicólogo especializado em pré-natal. “As variações de humor eram muito grandes e ele me ajudou a ficar mais equilibrada. Às vezes, por causa da minha ansiedade, eu achava que a Olívia poderia nascer prematura.
A grávida vê os problemas com uma dimensão muito maior do que eles realmente têm”, conta.
O profissional também foi importante para que ela soubesse lidar com o problema enfrentado no último mês de gravidez: a descoberta de uma doença congênita em Olívia.
A menina seria submetida a uma cirurgia já no primeiro dia de nascimento.

Por esses e outros motivos, foi criada a especialidade, dentro da psicologia, focada no período pré e perinatal, que estuda, basicamente, as consequências das experiências vividas durante a gestação, o parto e os primeiros meses ou anos de vida para a saúde física e mental futura do homem.
“Quando pensamos na complexidade do processo, do tanto de mudanças que o acompanham, só profissionais voltados para a fisiologia dele não são suficientes.
É preciso pensar interdisciplinarmente e na integralidade da gestação”, explica a psicóloga Nadja Rodrigues.

A memória do feto

A assistente de contas Thais Melo (foto ao lado), 28 anos, conta mentalmente até 10 antes de se estressar com qualquer coisa. Grávida de seis meses e no meio de uma reforma na casa, nem sempre é fácil manter a calma. Heitor sempre se mexe na barriga, mas ela já notou que, quando está nervosa, ele tende a ficar mais quieto, como se para poupá-la.
Preocupada com o filho, ela tenta se controlar.
“Minha primeira gravidez era mais calma, não tinha obras, a casa estava mais organizada e a Ana Clara nunca teve problema para dormir, nunca precisou dormir comigo na cama.
Eu quero que com o Heitor seja assim também e eu imagino que esse nervosismo pode interferir”, lamenta.

Pesquisas recentes pretendem destruir a ideia de que fetos não teriam sensações, além da hipótese de que seus sentidos não estariam ativados porque o sistema nervoso ainda não está completo.
Os cinco sentidos humanos básicos se desenvolvem segundo uma ordem invariável: primeiro, o tato; depois, o olfato, o paladar e a audição; e, finalmente, a visão.
Todas as pesquisas concordam: mesmo sem ter alcançado plena maturação, esses sistemas são funcionais desde muito antes do nascimento.
Não se sabe ainda qual é o grau de fineza da sua percepção, mas exames por endoscopia do líquido amniótico, conduzidos por volta do sexto mês, produziram no feto acelerações cardíacas imediatas induzidas pelo acender da luz fria do endoscópio, o que demonstra a reatividade visual do bebê.

Está, por exemplo, praticamente provado que o feto é capaz de ouvir a partir da 24ª semana de vida. Eles ouvem e também reconhecem as vozes depois que nascem, o que mostra que têm memória sobre o que acontece quando estão no útero.
A maioria dos estudos sobre a capacidade dos bebês de reconhecerem músicas ou estímulos antes de nascer é feita depois do nascimento, mas a equipe de Cathelijne Van Heternen, do Hospital Universitário em Maastricht, mediu a memória do feto no útero.
Por meio da pesquisa publicada na revista médica The Lancet, no ano passado, concluiu-se que, mesmo lá, eles já aprendem e têm até memória de curto e longo prazos.

Por meio de uma técnica chamada habituação, método usado pelo sistema nervoso para reduzir ou inibir a resposta a estímulos repetidos, que envolve a repetição de vibrações e sons, os pesquisadores estimularam 25 fetos entre 37 e 40 semanas de gestação. As reações foram observadas por meio de ultrassonografia.
Se o bebê moveu um dos membros em um segundo de estimulação, foi considerado como tendo resposta positiva.
Quando o bebê não respondeu depois de quatro estímulos consecutivos, os pesquisadores consideraram que houve habituação, já que o bebê reconheceu o estímulo que foi, então, interrompido.
Quando a simulação foi repetida 10 minutos e 24 horas depois do teste inicial, os fetos se habituaram mais rapidamente, indicando que tinham uma memória do estímulo.
 “No final da gestação, o feto percebe numerosos sons e ruídos da vida cotidiana, é capaz de reagir quando se troca a ordem de um par de sílabas, à passagem de um locutor masculino para um locutor feminino, à mudança de altura de uma nota musical tocada num sintetizador.
Sobretudo, os trabalhos mais recentes demonstram que o feto prefere a voz da sua própria mãe.
Ele reage como se já possuísse uma identidade, como se percebesse que ‘mamãe está falando comigo'”, revela a cientista francesa Marie-Claire Busnel.

Carla Machado, presidente da Associação Nacional para a Educação Pré-natal – Brasil (Anep – Brasil), cita ainda experiências de hipnose realizadas com adultos e que mostram que muitos têm no subconsciente memórias de quando ainda nem havia nascido.
Ela explica que a psicologia já acreditou que não era necessário nenhum tratamento a nível psíquico com crianças de até 3 anos e essas experiências provaram o contrário.
Por isso, Carla ressalta a importância de a mãe trabalhar sua relação com o bebê desde a gravidez: “Não se trata de uma doença, de forma alguma, mas é um estado especial da mulher, que deve ser encarado como tal por ela e por todos à sua volta.
Ela precisa ser acolhida para acolher o bebê.
Vai ser mais uma retribuição que ele dará ao nascer e ao longo da vida”.

Reconstruindo o ambiente uterino

O pediatra norte-americano Harvey Karp tornou-se famoso por ter desenvolvido uma forma simples e eficaz de acalmar bebês e acabar de vez com o choro. Suas técnicas estão sendo usadas em creches e maternidades nos Estados Unidos e até no Brasil. No meio líquido, os movimentos que o bebê fazia não eram tão bruscos.
Agora, no meio aéreo, ele leva sustos a cada movimento.
Portanto, uma forma de deixá-lo tranquilo seria enrolá-lo bem em uma manta, sem que possa mexer os membros.
O segundo passo seria colocá-lo de lado e, por fim, se não funcionar, fazer um chiado forte no ouvido da criança.
Dessa forma, simula-se um ambiente conhecido por ela, em que viveu antes de nascer e onde se sentia segura: afinal, poucos lugares são tão apertados e barulhentos quanto o útero.
Os bebês nascem e lembram a situação confortável em que viviam antes.

Entenda por que o tipo de parto influencia o futuro dos filhos

Estudos apontam que seria mais difícil para mãe e bebê criarem laços afetivos depois de cesáreas.

Luanda Brandão (foto ao lado), 33, tem dois filhos, Maria Fernanda, de 13 anos, e João Guilherme, de 7 meses. Em sua primeira gravidez, tinha apenas 19 anos e não se sentiu tão bem orientada, apesar de te feito o pré-natal como manda o figurino. Do parto, ela só lembra de alguns flashes.
Mostraram a bebê para ela e as duas só se encontraram de novo no quarto do hospital.
“Foi impossível me doar para aquele momento”, lamenta.
Quando engravidou de João, decidiu que faria diferente.
Queria se sentir em casa e assim o fez.
Teve um parto domiciliar com o acompanhamento de uma obstetra, uma enfermeira e uma doula.
“Ele saiu de mim, ficou 15 minutos no meu colo e já começou a mamar.
Com a Fernanda, infelizmente, eu demorei cinco dias até ter leite e só consegui dar banho nela sozinha depois de três meses”, compara as experiências.
 “Durante quase 40 semanas, nós tomamos todo cuidado para não ingerir certos medicamentos.
De repente, eu e meu bebê somos dopados”, reclama.
Para ela, assim como demorou mais tempo para que conseguisse amamentar e dar banho na filha, a criação dos laços afetivos também demoram a ser criados.
E, se a mãe não estiver muito bem emocionalmente, isso pode ser um problema mais sério.
“Minha filha é muito sociável, ótima, mas pode ter traços na personalidade dela que não sei indicar, mas que são fruto de como ela foi tratada no nascimento”, admite.
A psicóloga Nadja Rodrigues acredita que há traumas que podem paralisar e causar uma ruptura na relação e outros que são estruturantes, que empurram para frente e podem ser mais emocionantes ainda.

Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em associação com o Ministério da Saúde e coordenada pela pesquisadora Maria do Carmo Leal chocou por concluir, este ano, que no Brasil são feitas três vezes mais cirurgias cesáreas do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No estudo, foram entrevistadas 23.
894 mulheres atendidas em maternidades públicas, privadas ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde, entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012.
E o pior: não haveria problemas de saúde que justificassem as cirurgias.

Na contramão dos partos medicalizados, surgiu a onda de mulheres como Luanda Brandão, que optam não apenas por ter seus bebês de forma natural, mas em casa. “A geração X acabou envolvida nos dois extremos do nascimento.
Ao mesmo tempo que a medicina obstétrica se torna cada vez mais invasiva e tecnológica, pessoas procuram o oposto disso”, explica a canadense Sandy Morningstar, especialista em psicologia do nascimento e autora do livro Who is born? Exploring the birth patterns that shape our lives (Quem nasce? Explorando o nascimentos e os padrões que configuram nossa vida, em livre tradução).
Para ela, há, de fato, diferenças entre aqueles que nascem de uma forma ou de outra.
Os nascidos naturalmente seriam crianças com a autoestima elevada.
Já os que vêm ao mundo por meio de cesárea seriam dependentes, ansiosos e que carregam no subconsciente raiva sobre o mau trato recebido na hora do parto.

Carla Machado, da Anep – Brasil, exemplifica: “Se pensarmos que nosso primeiro habitat é o útero e o segundo é o colo da mãe, se ele se sentir respeitado nesses dois ambientes, vai saber respeitar o terceiro, que é o mundo. Não será uma pessoa com o impulso de poluir o planeta, ela vai retribuir aquele respeito”.
Carla compara a reação das mulheres que querem partos domiciliares com o movimento de um pêndulo: se ele vai muito para um lado, volta na direção oposta com o mesmo extremismo.
“A escolha tem que vir da mulher e não do status quo médico”, opina.

Estudos apontam que seria mais difícil para mãe e bebê criarem laços afetivos depois de cesáreas. Pesquisa de 2010, da Universidade de Yale, afirma que as diferenças nos hormônios gerados no nascimento podem ser a peça-chave para explicar o fenômeno.
As contrações, principal característica do nascimento natural, provocam a liberação da ocitocina, um hormônio que os cientistas acreditam que desempenha um papel fundamental no comportamento das mães.

Tomografias dos cérebros de 12 mães realizadas poucas semanas depois de elas darem à luz mostraram mais atividade em áreas ligadas à motivação e emoções nas que escolheram o método natural de nascimento.
O estudo mostrou que, além das diferenças de atividade em áreas do cérebro responsáveis pela resposta aos filhos, a região do cérebro que regula o humor também foi afetada de forma diferente.
Por isso, os cientistas acreditam que o parto por cesariana poderia também aumentar o risco de depressão pós-parto.
“Nossos resultados apoiam a teoria de que as variações de condições de parto, como as que ocorrem na cesariana, que alteram experiências neuro-hormonais no nascimento, podem diminuir a resposta do cérebro da mãe no começo do período pós-parto”, afirma o estudo que a ajuda a decifrar reações químicas que envolvem a ligação afetiva entre mães e filhos, liderado por James Swain.

Não há, no entanto, estudos de longo prazo que comprovem que mães que deram à luz por cesariana tenham problemas de relação com o filho no longo prazo.

O parto vivenciado pela biomédica Gizah Pereira (foto ao lado), 32 anos, foi um misto de como ela sonhava e de como poderia ser. Ficou satisfeita com o nascimento do filho David, 6 anos.
Na época, a legislação brasileira não permitia partos domiciliares, como ela queria, e o uso da banheira também precisou ser descartado, já que a duração do trabalho de parto foi de 20 horas, então, o risco de infecção era maior.
Gizah colocou na cabeça: “Enquanto só eu estiver sofrendo, não importa por quanto tempo, está tudo bem, eu aguento.
Eu só não queria que ele nascesse de um jeito traumático”.
David nasceu saudável e naturalmente.

Embora a Organização Mundial das Associações para Educação Pré-Natal (Omaep), organização que congrega 22 associações nacionais, inclusive a Anep – Brasil, diga em seu site que um ser concebido, gestado e nascido em violência é mais propenso a ser violento do que aquele que recebeu o devido cuidado, desde a concepção, partos “dos sonhos”, como o de Gizah e Luanda, estão fora da realidade da maioria das pessoas.
Além do desinteresse da maioria dos médicos, os poucos que realizam esse tipo de parto cobram cerca de R$ 10 mil e, na maioria das vezes, não atendem plano de saúde algum.
Se “para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer”, como preconiza Michel Odent, médico francês símbolo do parto natural no mundo, o Brasil parece estar longe de mudar.

Para ler

O renascimento do parto, de Michel Odent

A vida secreta da criança antes de nascer, de Thomas Verny e John Kelly

Psicologia do feto e do bebê, de Eduardo Sá