Novo surto de ebola assombra a África

OMS confirma 78 mortes decorrentes da doença na Guiné e quatro na Libéria. Há ainda pacientes sob suspeita em Serra Leoa. Diante da situação, o governo do Senegal fechou a fronteira.

A confirmação de novos casos de infecção pelo vírus ebola aumentou a preocupação de que o surto se alastre pelo continente africano.
Depois de 78 mortes decorrentes da doença na Guiné, principal foco do vírus nos últimos meses, quatro óbitos foram reconhecidos na Libéria e casos suspeitos são monitorados em Serra Leoa, ambos na fronteira sul do país.
Ontem, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) classificou a situação no oeste africano como uma “epidemia de amplitude jamais vista”.
Ao mesmo tempo, representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) tentavam evitar o pânico, alertando que “não há necessidade de aumentar algo que já é ruim o suficiente”, conforme defendeu pelo Twitter um representante da agência das Nações Unidas.

“Estamos enfrentando uma epidemia de magnitude jamais vista em termos de distribuição de casos no país: Gueckedou, Macenta, Kissidougou, Nzerekore e, agora, Conacri (a capital)”, alertou Mariano Lugli, coordenador do MSF.
Por sua vez, o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic, que está no país desde a semana passada, assinalou que a preferência pelo termo surto, em vez de epidemia, se justifica pelo estágio inicial dos registros.
“Em francês, língua que falamos aqui, diz-se ‘épidémie’ porque não há outro termo equivalente, mas preferirmos nos referir à situação como surto por ainda estar no começo”, explicou ao Estado de Minas.

Desde janeiro, a Guiné enfrenta uma proliferação da febre hemorrágica causada pelo ebola. Em seu último balanço, o Ministério da Saúde do país atesta que 22 óbitos em decorrência do vírus estão confirmados em laboratórios. Há 44 pessoas sob monitoramento.
Na Libéria, além das quatro mortes, há três casos de infecção pelo vírus confirmados e outros sob investigação, segundo a OMS.
Nenhuma vítima teve a doença diagnosticada em Serra Leoa – aguarda-se o resultado de exames em cinco pacientes.

Diante da situação, o governo do Senegal, ao norte da Guiné, fechou as fronteiras com o vizinho. A Mauritânia decidiu restringir o comércio com os países afetados. A empresa aérea Gambia Bird, que deveria começar a atuar na Guiné no último fim de semana, adiou o início das operações por causa do surto.
Em comunicado, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental destacou que a doença é uma séria ameaça à segurança na região.

Agressivo e letal Especialistas que atuam na região identificaram o vírus responsável pelo surto atual como “do tipo Zaire”, uma das cinco espécies da família dos filoviruses que causam o ebola. “Esse é o (vírus) mais agressivo e letal”, alertou o epidemiologista Michel Van Herp, ligado à MSF, em um comunicado da organização.
Tem um índice de mortalidade de mais de 90%, assinala Van Herp.
Segundo a ONG, mais de 40 toneladas de equipamentos foram enviadas à Guiné para tentar conter o avanço da doença.

Acredita-se que o ebola, descoberto em 1976, seja transmitido por morcegos. O vírus se espalha quando pessoas saudáveis entram em contato com fluidos corporais de indivíduos infectados, como sangue, suor ou leite materno.
Depois de um período de incubação entre dois e 21 dias, os pacientes passam a ter febre alta, dor muscular, conjuntivite, vômitos e fraqueza.
Sangramentos pela urina e pelas narinas também são comuns.
Além da facilidade de transmissão, o vírus provoca uma alta taxa de mortalidade – entre 25% e 90% dos infectados.
Desde o primeiro registro, cerca de 2,2 mil casos foram confirmados.
Desses, 1,5 mil não resistiram às complicações da infeção.

Apesar disso, os surtos são considerados raros. A última epidemia foi registrada em 2012, quando centenas adoeceram em Uganda e na República Democrática do Congo (RDC).
Segundo a MSF, outras “certamente passaram despercebidas por ocorrerem em áreas onde as pessoas não têm acesso a tratamentos de saúde”, o que impossibilita a confirmação de todos os casos.
O ebola é classificado como um dos vírus mais contagiosos e mortais entre os humanos, segundo a OMS, e não existe nenhum tipo de tratamento ou de vacina específicos para a doença.

A partir da confirmação de um primeiro caso, todas as pessoas que tiveram contato com a vítima precisam ser isoladas e monitoradas. Médicos, enfermeiros e auxiliares que atendem pessoas infectadas devem usar roupas isolantes, luvas, máscaras e óculos de proteção, o que, muitas vezes, não ocorre em comunidades pobres e afastadas.
Segundo organizações de saúde, a orientação da população é uma peça-chave para evitar novas vítimas.

O presidente da Guiné, Alpha Condé, fez um pronunciamento à nação anteontem, para tranquilizar a população e orientá-la a seguir medidas de precaução, como manutenção da higiene pessoal e distanciamento dos infectados.
“Meu governo e eu estamos muito preocupados com essa epidemia”, disse Condé, acrescentando: “Peço às pessoas para que não entrem em pânico nem acreditem nos rumores que estão alimentando o medo”.
Segundo Tarik Jasarevic, da OMS, apesar do clima de apreensão, os guineanos estão tranquilos e recebem informações diárias sobre como proceder.

Combinação de terapias pode ser a cura para o ebola

Pesquisadores eliminaram a doença em macacos ao juntar terapias que usam os anticorpos do vírus e aumentam a produção de células do sistema imunológico. Testes com humanos começarão em 2015.

Uma combinação de terapias pode ser a cura para uma das doenças mais letais da atualidade. Cientistas dos Estados Unidos e do Canadá conseguiram eliminar o ebola de macacos rhesus desta forma: unindo intervenções que tornaram as cobaias capazes de extirpar o vírus.
Eles utilizaram anticorpos de macacos que sobreviveram ao mal infeccioso e um micro-organismo criado em laboratório, um adenovírus, que aumentou o número de células de defesa nos animais.
A terapia surtiu efeito três dias depois da infecção.

Gary Kobinger, um dos autores da pesquisa e professor da Universidade de Manitoba, no Canadá, conta que um estudo realizado pela mesma equipe de cientistas no ano passado embasou a ideia de usar os anticorpos.
“Esse experimento mostrou que os primatas não humanos que se salvaram da exposição ao vírus mortal do ebola ao serem vacinados tinham altos níveis de anticorpos específicos, mas os não sobreviventes apresentavam níveis baixos, quase indetectáveis, dessa substância”, detalha.
“Pensamos que seria possível usar esses anticorpos em uma terapia.
Nós fizemos e deu certo.

Para maximizar a defesa do organismo dos macacos, os pesquisadores também trataram as cobaias com um adenovírus – vírus criado em laboratório e utilizado geralmente como ferramenta para potencializar a produção de substâncias no corpo.
Nesse caso, a equipe quis aumentar a quantidade de interferon alfa, uma citocina produzida pelo sistema imunológico.

As cobaias foram tratadas com as duas estratégias três dias após terem sido infectadas pelo Zaile ebolavírus, um dos subtipos mais letais do vírus ebola. Após a terapia, elas foram totalmente curadas da doença.
Os pesquisadores acreditam que os anticorpos ajudaram a neutralizar o vírus e que a maior produção de interferon alfa conseguiu combater de forma mais eficaz a doença.
Isso porque, ao tratar macacos somente com o adenovírus, o mesmo resultado não foi obtido.
“No momento, estamos tentando entender exatamente como os anticorpos agem no nível molecular, mas ainda não temos todos os detalhes.
Sabemos que podem bloquear a entrada do vírus, que são células sensíveis, mas suspeitamos que exista pelo menos mais um mecanismo que interfira na replicação do ebola”, destaca Kobinger.
Os resultados da pesquisa foram publicados na edição de hoje da revista Science Translational Medicine.

Estratégia certeira

Para Gustavo Menezes, professor de biologia celular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o grande destaque do estudo foi utilizar o adenovírus, que não produziu malefícios ao organismo dos macacos e ainda aumentou os níveis de interferon alfa. “Eles utilizam um vírus para combater outro, além das substâncias do próprio agente infeccioso.
O resultado foi totalmente positivo, 100% dos macacos testados obtiveram uma total melhora e mantiveram esse estado mais de 20 dias após o tratamento, o que expressa a eficácia”, observa.

Outro ponto de destaque da pesquisa, segundo Menezes, foi tratar o vírus dias após a infecção das cobaias. “O ebola, muitas vezes, pode ser diagnosticado tardiamente. Existem casos em que as pessoas estão em casa com os sintomas, mas não sabem que têm a doença.
Ter tratado esses animais três dias após a infecção mostra que, até mesmo depois do diagnóstico, seria possível dar fim ao vírus”, ressalta.

Stefan Cunha, infectologista da Escola Paulista de Medicina, destaca que o uso de um dos subtipos mais letais do ebola também mostra o sucesso do experimento. “Essa é uma das variações mais cruéis da doença. Curá-la no terceiro dia mostra a eficácia do tratamento”.
Para ele, a terapia será importante principalmente para as regiões em que o vírus provoca mais vítimas.
“Felizmente, o ebola possui poucos risco de provocar uma pandemia, já que o contágio de pessoa para pessoa é mais difícil de acontecer.
Mas temos regiões na África com altos números de casos e a mortalidade chega a mais de 50% em alguns locais.
Com um tratamento tão eficaz como esse, podemos ter a esperança de uma arma que combata essa doença com sucesso e reduza consideravelmente o número de mortes.

Menezes acrescenta que a base da terapia tem sido abordada em tratamentos de outras doenças. O uso de anticorpos é utilizado, por exemplo, na terapia contra males não infecciosos, como a esclerose múltipla “Nesse caso, os remédios já são até vendidos na farmácia.
Acredito que uma das maiores vantagens que podem surgir em tratamentos com essas substâncias é conseguir algo mais específico, ações que tratem a raiz dos problemas.
Claro que ainda existem efeitos colaterais.
Por isso, é necessário que os estudos continuem”, pondera.

Gary adianta que o próximo passo do grupo de cientistas será realizar testes com humanos – experimento programado para o início de 2015. Segundo ele, a equipe está bastante esperançosa com os resultados que serão alcançados.
“A partir do fato de que podemos tratar os primatas não humanos e detectar o vírus no sangue de todos os animais, futuramente poderemos salvar todos eles de uma morte certa.
Essa é uma possível cura da infecção do ebola”, aposta

Experimentos com nicotina

Em agosto de 2013, outra terapia também utilizou anticorpos para combater o ebola em macacos rhesus. As três substâncias foram retiradas da nicotina e resultaram em um coquetel terapêutico chamado MB-003.
O trabalho é fruto do esforço de pesquisadores da Divisão de Virologia do Instituto de Doenças Infecciosas do Exército dos Estados Unido (USAMRIID) e foi detalhado na Science Translational Medicine.
Com a intervenção, eles conseguiram curar 43% das cobaias infectadas pelo vírus dois dias após o contágio.
A expectativa dos cientistas é de que a droga esteja disponível para uso clínico até 2018.