O que vem por aí: vacina controla pressão arterial por seis meses

Terapia composta por fragmentos de DNA foi testada em ratos. Cientistas de instituição japonesa acreditam que o efeito possa se repetir em humanos.

Doença que acomete um a cada quatro brasileiros adultos, a hipertensão poderá ganhar um tratamento mais prático. Em vez dos comprimidos diários, os pacientes receberiam uma injeção de DNA que manteria a pressão arterial em níveis considerados normais por até seis meses.
A possibilidade vem de uma pesquisa em andamento na Universidade de Osaka, no Japão, e foi detalhada na revista Hypertension, da Associação Americana do Coração.

“O potencial de uma vacina para a hipertensão está em oferecer um tratamento inovador e que pode ser muito eficaz para o controle da não conformidade, que é um dos principais problemas no manejo de pacientes hipertensos”, avalia Hironori Nakagami, um dos coautores da pesquisa.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia estima que 80% dos hipertensos do país não se mediquem corretamente.

Testada por enquanto em ratos, a vacina com fragmentos de DNA age sobre o angiotensina 2, um hormônio que faz com que os vasos sanguíneos se contraiam, o que pode levar ao aumento da pressão arterial. As cobaias foram modificadas para ter a doença e receberam a injeção três vezes, com intervalos de duas semanas entre elas.
Além de reduzir a pressão arterial por seis meses, a substância aplicada diminuiu danos nos tecidos cardíacos e nos vasos sanguíneos relacionados à hipertensão.
Os rins e o fígado dos animais também não foram prejudicados.

Segundo os autores, o funcionamento da vacina é similar ao dos medicamentos que inibem a ação da enzima conversora da angiotensina, também chamados de inibidores de ECA.
As ECAs são substâncias químicas que transformam o sangue “inativo quimicamente” em um constritor de vasos sanguíneos, levando ao estreitamento deles e, consequentemente, ao aumento da pressão arterial.
O fato de terem que ser ingeridos diariamente, porém, leva muitos pacientes a não se medicar ou a fazê-lo incorretamente.

Os pesquisadores da instituição de ensino japonesa ressaltam que a vacina de DNA, além de eliminar esse dificultador, pode baratear o tratamento da hipertensão, já que as doses de medicação poderiam ser semestrais. Para regiões da África e do sul da Ásia, por exemplo, a ingestão diária de um anti-hipertensivo se torna cara.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a pressão alta é mais prevalente na África.
A estimativa é de que 46% dos adultos do continente tenham pressão alta.

Diferenças

Editor associado da revista Hypertension, Ernesto L. Schiffrin ressalta a necessidade da realização de testes com humanos. Segundo ele, o tempo de “validade” da vacina em ratos pode não ser igual quando administrada em um organismo mais complexo. “O uso da vacina em seres humanos pode resultar em efeitos colaterais”, complementou.
Schiffrin informa que a busca por uma vacina para o tratamento da hipertensão começou em meados da década de 1980.
Algumas já foram testadas em humanos, mas com resultados pouco promissores e efeitos colaterais consideráveis.

Nakagami ressalta que o trabalho com vacina é inicial, mas reforça o potencial da proposta. “Mais pesquisas nessa plataforma de vacina de DNA, incluindo o aumento da longevidade da redução da pressão arterial, podem, eventualmente, proporcionar uma nova opção terapêutica para o tratamento de pacientes hipertensos”.
A equipe de pesquisadores cogita também usar a tecnologia para gerar vacinas contra outras doenças.

“Pesquisas adicionais sobre essa vacina de DNA, incluindo o aumento do período de redução da pressão sanguínea, pode levar a uma nova opção terapêutica para pacientes hipertensos”, diz o médico Hironori Nakagami, um dos autores da pesquisa e professor da Universidade Osaka, no Japão.

O cardiologista Marcus Vinícius Bolívar Malachias, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, observa que o desenvolvimento de uma vacina como essa é uma alternativa muito aguardada pela comunidade médica justamente por causa da dificuldade dos pacientes em aderir ao comprimido diário.

Malachias cita que 90% dos pacientes hipertensos precisam usar medicamentos diários para controle da pressão. Dados do Brasil mostram que cerca de 80% dos hipertensos estão fora da meta do controle de pressão. “Ou não tomam o medicamento regulamente ou não tomam na dosagem correta.”

Entre os fatores que contribuem para a falta de adesão às drogas está o fato de que a hipertensão é geralmente assintomática. “O paciente não sente nada e por isso não vê a importância de tomar remédio”, diz o cardiologista. Pesa também o fato de o tratamento ser crônico e poder continuar ao longo de toda a vida.
 “Existem também crendices acerca dos medicamentos.
O homem teme que o remédio interfira no desempenho sexual.
A mulher tem maior aderência ao tratamento, mas teme ganhar peso ou alterações de pele.

“As pessoas têm que se conscientizar que hipertensão é uma doença silenciosa que mata ou traz consequências muito ruins para coração, cérebro e rins”, diz o cardiologista Roberto Kalil .
 “Se um dia, daqui algumas décadas, depois de estudos experimentais, tiver uma vacina que controle a pressão, você reduziria em grande parte a mortalidade da população por derrame cerebral e infarto”, completa Kalil.

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