Orgasmo: uma barreira para o prazer

Nem sempre a ausência de orgasmo é um problema psicológico. Entre as causas físicas, está a compressão de determinados nervos. Nesta quinta-feira (31), celebra-se o Dia Mundial do Orgasmo. Celebra-se? Para cerca de 40% das brasileiras, 30% das argentinas e 25% das norte-americanas, não.
Elas enfrentam a anorgasmia, ou seja, a ausência de orgasmo, que se divide em primária, quando a mulher nunca chegou ao clímax; e a secundária, em que ela deixou de ter a sensação por algum motivo.
Hoje é o Dia Mundial do Orgasmo, mas muitas brasileiras não sabem o que é ter essa sensação.
 Certas de que têm algum ‘problema’ ou de que a culpa é do parceiro, perdem a oportunidade de conhecer o próprio corpo e conquistar o prazer.
De acordo com a ProSex, pesquisa sobre sexualidade realizada pela Universidade de São Paulo (USP), 51% das brasileiras têm dificuldade para atingir o clímax.

O que algumas mulheres passam a vida sem saber, a escritora Naomi Wolf levou 46 anos para descobrir. Compartilha em seu livro Vagina: uma biografia. Nele, ela conta como, apesar de apaixonada e com uma vida sexual ativa, ela, de repente, deixou de sentir o mesmo prazer que antes sentia. Lenta e progressivamente, ela perdia a sensibilidade.
“Em geral, após os orgasmos, enxergava as cores como se estivessem mais brilhantes; e os detalhes da beleza do mundo natural apareciam com mais destaque e eram mais atraentes”, descreve o que sentia e deixou de sentir.

Ela estava com um problema na coluna, e algumas vértebras estavam comprimindo ramificações do nervo pélvico, aquele que termina justamente no canal vaginal. As ramificações direcionadas ao clitóris estavam intactas, o que permitia que, ali, ela ainda tivesse orgasmos.
O doutor Jeffrey Cole, que a atendeu, explica: “Cada mulher tem uma formação diferente.
Os nervos de algumas se ramificam mais na vagina, outras têm mais ramificações no clitóris.
Algumas têm muitas ramificações no períneo ou no colo do útero.
É isso que leva a diferenças na resposta sexual feminina”.

É assim que caem por terra as inúmeras receitas de como atingir o ponto G da mulher. Afinal, cada uma tem o seu. Questões sociais à parte, ao contrário do que se prega sobre motivos psicológicos para a mulher não ter orgasmo, existem também diversos motivos orgânicos para isso.

Se uma mulher quiser descobrir qual o melhor caminho para o prazer sexual, é bem mais provável que ela consiga pelo esforço próprio. “O orgasmo é um aprendizado e uma conquista.
Não deve ser responsabilidade do outro, assim como a falta dele não é ‘culpa’ do outro”, destaca a neuropsicóloga Sônia Eustáquia Fonseca, especialista em terapia breve para diagnóstico e tratamentos de conflitos e disfunções sexuais.

A sexóloga Sônia Fonseca explica que essa dificuldade é considerada uma disfunção sexual e deve ser tratada. A falta de lubrificação, o retardo ou a ausência do orgasmo, a dor durante, antes ou depois do ato – também são situações que devem ser avaliadas.
Elas podem afetar o desejo, a excitação, o orgasmo e também a resolução – quando a mulher não sente prazer e bem-estar logo após a relação.

Entre as causas físicas da anorgasmia, estão a compressão do nervo pélvico e suas ramificações, o desequilíbrio hormonal, o uso de alguns medicamentos e drogas, tumores e doenças que deixem o organismo debilitado.

Já as causas psicológicas incluem a vergonha do próprio corpo, a depressão e a falta de comunicação com o parceiro, mas também as pressões culturais que ainda exercem controle sobre os papéis que o feminino supostamente pode exercer na sociedade. “A mulher fica muito dividida entre o sagrado e o profano, o certo e o errado.
Muitas resistem, inicialmente, ao estímulo provocado pela masturbação, por exemplo, porque isso representaria a perda de uma imagem pura – uma vez que a masturbação tem como objetivo o prazer, puro e simples.
Por isso, ainda é comum que mulheres, assim que atingem a menopausa e concluem sua fase reprodutiva, digam que também encerraram suas atividades sexuais.
Predomina o pensamento do ‘posso, mas não devo’, e isso é mais comum do que se imagina”, alerta a psicóloga.

Esse condicionamento pode ser prejudicial em vários sentidos e aspectos da vida da mulher. Um deles é o aspecto sexual. A masturbação é um dos caminhos para enfrentar a anorgasmia e voltar a ter controle sobre o próprio corpo e sobre o prazer.
“Ao contrário do ato sexual, que pode ter outras finalidades como a reprodução, a troca de carícias, o carinho, a intimidade; a finalidade da masturbação é o orgasmo.
E todos nós temos a possibilidade de atingir o orgasmo, se quisermos”, reforça Sônia Fonseca.

Entre as dicas da sexóloga para as pacientes, está a compra de massageadores, vibradores, dilatadores, cremes e géis que aumentem a lubrificação e facilitem o caminho dos estímulos nervosos pelo corpo.
É possível também a indicação de trabalho fisioterápico e medicamentoso, com encaminhamento aos especialistas de cada área, em um trabalho interdisciplinar.

Se há vários recursos, porque muitas mulheres desistem, mesmo antes de tentar? Para a especialista, apesar de tantas lutas pela liberação do lugar feminino no mundo, no mundo do trabalho e dos direitos, muitas mulheres não se sentem merecedoras do direito de desfrutar do sexo e do prazer.
“Algo que os homens, muito mais naturalmente, sentem que podem”, pondera.

Aprendizado

As experiências iniciais podem ajudar a definir se uma mulher terá mais ou menos dificuldade para tomar as rédeas do próprio orgasmo. Só que é preciso entender que ‘iniciais’, aqui, dizem respeito também à infância. “Nossa vida sexual começa quando nascemos.
Desde as experiências de carinho e amor, até a descoberta do corpo pela criança, que manipula os órgãos genitais e se sente bem consigo mesma – se ela é tratada com compreensão e tem sua autoestima valorizada, ela saberá que é merecedora de um vida prazerosa”, explica a psicóloga.

Mais adiante, quando o adolescente geralmente escolhe um parceiro e tem sua primeira relação genital com outra pessoa, um dos principais fatores para o bem-estar será a ternura, o carinho e o vínculo que há com esse parceiro.
“A terapia sexual vai trabalhar as questões apresentadas pela mulher exatamente para que ela entenda que a disfunção sexual é natural e pode ser trabalhada.
E é importante lembrar que o orgasmo não é de responsabilidade do outro.
Não adianta jogar a culpa no parceiro que não ‘tem pegada’ e outras gírias do tipo.
O orgasmo pode, e deve, ser treinado e aprendido”, resume a especialista.

Diferenças

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Outra explicação interessante está na diferença das estatísticas entre os países. “No Brasil, falta informação e sobra censura, principalmente para quem passou dos 40 anos. Muitas mulheres levam a vida sexual no casamento como uma obrigação, não conhecem o próprio corpo e não se permitem o prazer”, lamenta Sônia Fonseca.
 Um estudo realizado com 999 mulheres entre 41 e 60 anos, no Ambulatório de Ginecologia Endócrina e Climatério da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que depois da menopausa, a capacidade orgástica relacionou-se positivamente com o relacionamento mais afetivo com o companheiro e com a prática da masturbação.
Mesmo no caso das mulheres que apresentaram secura vaginal, a prática da masturbação e o carinho com o parceiro garantiam número satisfatório de orgasmos, se comparados com a frequência das relações.
 Já as participantes que não apresentavam pelo menos uma dessas características apontaram desconforto e dor como fatores para evitar, sempre que possível, a experiência sexual.

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