SUS vai oferecer aparelho de última geração para tipo de perda auditiva até então sem tratamento

Prótese auditiva ancorada em osso não emite um som como o aparelho convencional. Seu diferencial é vibrar o osso da cabeça. Um grupo de deficientes auditivos, até então sem tratamento adequado, espera uma novidade no Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim que terminar o processo de recadastramento dos centros autorizados pelo Ministério da Saúde, esses pacientes terão acesso a uma tecnologia de última geração: a prótese auditiva ancorada em osso.
Segundo o otorrinolaringologista Celso Becker, coordenador do Serviço de Saúde Auditiva do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não fosse a inclusão do procedimento na rede pública alguns portadores de perda auditiva condutiva e neurosensorial unilateral dificilmente teriam a opção de ouvir, já que o aparelho custa mais de R$ 60 mil.

Os candidatos ao tratamento são pacientes que tiveram algum acometimento do canal auditivo, do tímpano ou da cadeia de ossículos que formam o ouvido médio, decorrentes de malformações ou processos infecciosos crônicos, capazes de destruir parte dessa estrutura.
Nesse tipo de perda auditiva, chamada condutiva, o problema está no trajeto do som, que fica impossibilitado de chegar ao ouvido interno.
“A nova tecnologia é ideal para pacientes com infecções frequentes de ouvido que acabam estragando o aparelho auditivo convencional, assim como para aqueles que nasceram sem a orelha ou sem o canal auditivo”, explica o especialista.

As próteses ancoradas também podem ser usadas por pacientes que perderam a audição por completo em apenas um dos lados, o que caracteriza o quadro de perda neurosensorial unilateral. Nesse caso, ela é ancorada no osso atrás do ouvido surdo, captando o som que ali chega e transmitindo a vibração para o ouvido sadio contralateral.
Segundo Becker, a rede de saúde auditiva é bem estruturada no estado, com grande número de encaminhamentos para tratar a surdez no serviço público, mas até a nova portaria as opções eram os aparelhos auditivos convencionais e o implante coclear, para surdez profunda.
“O paciente com surdez condutiva, em especial aqueles com ausência de canal auditivo, ficava no meio do caminho.
Sua perda não é tão profunda que justifique o implante coclear e ele também não podia usar o aparelho auditivo convencional pela ausência do canal auditivo.
Ficava, então, sem solução adequada, porque não são satisfatórios os resultados de cirurgias de reconstrução do canal auditivo”, explica.

Diferencial A prótese auditiva ancorada em osso não emite um som como o aparelho convencional. Seu diferencial é vibrar o osso da cabeça. Essa vibração movimenta o ouvido interno, que é normal nos pacientes com perda condutiva.
Ele é capaz de detectar o som, só não o fazia porque esse sequer chegava até ele em função do defeito na condução decorrente de problemas no canal auditivo, tímpano ou ossículos.

Há duas opções de prótese ancorada. Em uma delas, a chamada Baha, a prótese é encaixada no osso atrás da orelha e presa por um parafuso, similar a um pino de implante dentário que transfixa a pele e onde é fixado o processador de áudio que vibra.
Nesses casos, por causa do pino passar através da pele, é necessário um maior cuidado pelo maior risco de infecções.
A outra opção, mais moderna, é o Bonebridge.
O diferencial desse sistema é o fato dele conectar a prótese fixada ao osso ao processador de áudio, externo, por meio de um imã.
“Além da virtude de manter a pele íntegra, o Bonebridge começa a funcionar mais rápido”, explica.

As próteses só são ativadas após o osso se integrar ao parafuso. Geralmente isso dura até três meses, mas com o Bonebridge a ativação pode ser antecipada, pois a integração ocorre em três ou quatro semanas. A cirurgia é simples, dura cerca de uma hora e meia, e o paciente tem alta no mesmo dia ou no seguinte.
Depois, é só esperar a integração óssea para ter os benefícios do tratamento.
Quando o aparelho estiver pronto para ser ativado o paciente passa por uma simples reabilitação.
Já que seu caso não era de privação da audição, a linguagem oral geralmente está estabelecida.

Segundo Marcela Stefanini, fonoaudióloga e especialista em Audiologia Clínica e Educacional, para a ativação o aparelho precisa ser ajustado e receber sua primeira programação. “Esse processo é feito com ajuda do paciente, que relata se o sinal está fraco ou forte.
Com ajuda de um software, fazemos o balanceamento entre as frequências graves e agudas e criamos alguns programas que podem ser acionados pelo usuário por meio de um botão no condutor de áudio.
É possível, por exemplo, configurar a programação para uso do telefone e prática de atividade física.
O paciente que corre, por exemplo, pode ficar incomodado com o barulho do vento captado pelo aparelho”, explica.

O aparelho tem vida longa e a parte externa deve ser trocada, aproximadamente, a cada seis anos. Segundo Marcela, o paciente deve fazer uma manutenção anual. No acompanhamento periódico feito pelo centro os ajustes serão mantidos em ordem.
No caso do Bonebridge, não há cuidados específicos com a pele, pela ausência do pino externo e pelo fato do implante ser de material biocompatível.
Os processadores de áudio devem ser retirados para o banho e na hora de dormir.
A bateria, descartável, deve ser trocada a cada sete dias.

Mais acesso

A portaria do SUS, publicada em dezembro do ano passado, não contempla apenas a prótese auditiva ancorada em osso.
Segundo o otorrinolaringologista Arthur Castilho, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, onde coordena o Grupo de Otologia, outros procedimentos foram incluídos no serviço de reabilitação de surdez com cirurgia.
Além da prótese ancorada, destaca-se o implante coclear bilateral.
“Antes o paciente podia fazer o implante em apenas uma orelha.
O terceiro ganho é a possibilidade de manutenção e troca dos componentes do implante coclear.
Antes, principalmente no caso das crianças, se eles perdiam ou danificavam algum componente da parte externa não era possível recorrer, porque são equipamentos caros”, comemora.

Cada prótese auditiva ancorada em osso, por exemplo, vai custar R$ 25.875 ao SUS. Segundo Castilho, hoje, quem tem a prótese ancorada conseguiu via judicialização. Alguns planos de saúde, aqueles que ele considera de alta gestão, também costumam pagar pela tecnologia depois de analisar os benefícios.
O objetivo, agora, é incluir a prótese auditiva ancorada em osso no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS), o que obrigaria todos os planos de saúde a oferecer o tratamento.
Antes disso, uma comissão, da qual Castilho faz parte, está tentando a inclusão no rol de procedimentos da Associação Médica Brasileira.
“Esse é o primeiro passo para chegarmos à ANS.
Mas se foi incluída pelo SUS é porque é forte o nível de evidência de sua funcionalidade.
A ampliação do acesso é questão de tempo”, projeta.

Serviço

Apesar de a portaria ter sido publicada no final de 2014, os centros esperam o recredenciamento para começar o tratamento. Becker acredita que, no Hospital das Clínicas, as cirurgias só começarão em 2016. Enquanto isso, o centro está fazendo a triagem dos candidatos ao tratamento.
Em Belo Horizonte, todos os casos de perda auditiva identificados na rede de atenção primária são encaminhados para a Junta Reguladora de Saúde Auditiva, que funciona na Unidade de Referência Secundária (URS) Padre Eustáquio.
Para acesso à prótese o paciente precisa de uma indicação médica e uma audiometria que comprove o tipo e grau da perda auditiva.
Mais informações pelo e-mail saudeauditiva@hc.