Terapia genética reprograma coração para que ele não adoeça

A técnica abre perspectivas de, no futuro, servir como tratamento para a cardiomiopatia hipertrófica, que é hereditária e não tem cura.

Corrigir a expressão falha de um único gene de maneira permanente e sem provocar efeitos colaterais para o organismo nem para o restante do código genético do indivíduo. Esse é o cenário ideal buscado pelas terapias genéticas, que buscam modificar mutações no genoma responsáveis por causar doenças, muitas delas letais.
Pois é uma façanha desse tipo que está relatada na edição de hoje da revista Nature Communications.

Pela primeira vez, o bloqueio da expressão de um gene mutante conseguiu impedir, em camundongos, a manifestação clínica de uma das doenças cardíacas hereditárias mais prevalentes na população mundial. Ainda há um longo caminho entre esse experimento bem-sucedido e a aplicação em humanos, mas os especialistas trazem perspectivas animadoras.

A doença é a cardiomiopatia hipertrófica, anormalidade que torna a musculatura do coração mais rígida. A hipertrofia do tecido coronário dificulta a expansão e a retração para os batimentos regulares, podendo causar uma série de problemas. O mal tem uma incidência altíssima: uma para cada 500 pessoas.
O prognóstico e as manifestações clínicas são muito variados, e a enfermidade pode passar despercebida durante toda a vida ou matar logo no primeiro ano.

Por ser o único tipo de cardiomiopatia com causa confirmadamente genética, a condição se tornou alvo da terapia desenvolvida pelos especialistas do Centro Médico Universitário Hamburg-Eppendorf, na Alemanha. Os cientistas focaram seu trabalho nos pacientes mais vulneráveis à doença, os recém-nascidos.

Para simular o problema nos animais, a equipe liderada por Lucie Carrier produziu em laboratório camundongos com a mutação causadora da miocardiopatia. Logo após o nascimento das cobaias, foi administrado em cada uma delas um vírus modificado para enviar ao organismo a informação genética de células cardíacas sem mutação.
É como se os bichos recebessem uma ordem de reprogramação genética.
A estratégia conseguiu bloquear a reprodução da informação incorreta que seria manifestada pelo gene mutante.
Dessa forma, os sintomas da doença, como a hipertrofia do músculo do coração, não foram gerados.
As cobaias foram observadas por 34 semanas sem qualquer alteração do quadro de saúde.

Incurável

De acordo com os pesquisadores, foi possível observar também que, com a terapia, a produção de espécies de RNA mutante foi suprimida. Eles imaginam que esse processo está envolvido à origem das proteínas malformadas que estão envolvidas no desenvolvimento da cardiomiopatia hipertrófica.
A esperança é que a terapia aplicada nos animais possa se tornar uma chance de tratamento para a forma neonatal grave do mal, hoje incurável e passível somente de transplante.

“Acreditamos que, para essas crianças, a terapia genética MYBPC3 (nome dado ao método) poderia ser uma opção realista, e, atualmente, nós trabalhamos na tradução do conceito de um modelo animal de grande porte”, descreve Carrier. Porém, há ainda uma série de fases para aprovação científica e translação das descobertas de camundongos para humanos.

Essa é a principal observação da médica da Sociedade Brasileira de Cardiologia e chefe do Setor de Miocardiopatia do Instituto Dante Pazzanese, Edileide de Barros Correia. Segundo ela, a terapia genética é a grande esperança para o futuro. “Se vai ser possível, só o tempo vai nos dizer.
A esperança e a expectativa ainda existem, mas temos um longo caminho pela frente.

A médica explica que tudo muda quando o assunto é o ser humano. Testar esse tipo de estratégia em indivíduos requer inúmeros cuidados, até mesmo pela possibilidade de efeitos adversos inesperados.
“Apesar de ser uma forma da doença grave quando apresentada em neonatais, é preciso lembrar que são raros os casos de pacientes diagnosticados nessa faixa etária e com prognóstico ruim.

A opinião otimista mas cuidadosa é compartilhada por Marcelo Imbronise Bittencourt, membro da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj) e médico da Clínica de Insuficiencia Cardíaca e Cardiomiopatias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Ele conta que geralmente essa é uma doença que se caracteriza pelo desenvolvimento na adolescência.
“Essas formas mais precoces não são tão frequentes.
Essa terapia, no entanto, demostrou uma perspectiva muito boa seja para qualquer forma”, acredita.
Para Bittencourt, a terapia empregada pode levar a terapias não só para bebês, mas também para pacientes mais velhos que carregam o gene mutante e não manifestaram a doença.

Atualmente, depois que o indivíduo é diagnosticado, resta a ele fazer o gerenciamento dos sintomas, com a utilização de remédios que, por exemplo, minimizam arritmias. Não é possível, porém, reverter o problema ou estacionar completamente sua evolução. O diagnóstico também é complicado.
Quando os sintomas começam a aparecer e levam a pessoa ao consultório médico, a doença já está avançando.
Alguns testes genéticos podem ser usados para detectar a hereditariedade, mas não é certo para todos os casos.
“Há pacientes com a doença, já com a hipertrofia, mas cujos exames não foram capazes de identificar a mutação.
Acreditamos que são mutações que ainda devem ser descobertas”, informa Bittencourt.

Outras formas

Existem outros dois tipos de cardiomiopatia: a dilatada (ou congestiva) e a restritiva. A primeira afeta principalmente idosos. Nela, os ventrículos se tornam firmes e rígidos porque o tecido anormal, tal como o tecido cicatrizado, substitui o músculo cardíaco normal.
Como resultado, os ventrículos não podem relaxar e se enchem de sangue, e os átrios se alargam.
Ao longo do tempo, o fluxo de sangue no coração é reduzido, o que pode levar a insuficiência cardíaca ou arritmias.
Já a cardiomiopatia dilatada é o tipo mais comum e ocorre principalmente em adultos de 20 a 60 anos, sendo que os homens são mais propensos.
O músculo cardíaco começa a se dilatar, alargando o interior da câmara e não contraindo normalmente.
O coração não consegue bombear o sangue muito bem e torna-se mais fraco.

Terapia genética reprograma coração para que ele não adoeça

O que é cardiomiopatia?

A cardiomiopatia é uma doença do músculo cardíaco, a qual tem uma variedade de causas, sintomas e tratamentos. Na cardiomiopatia o músculo cardíaco fica aumentado ou anormalmente rígido ou grosso. Em casos raros, o tecido muscular no coração é substituído por um tecido cicatrizado.

À medida que a cardiomiopatia progride, o coração fica mais fraco e menos capaz de bombear sangue através do corpo. Isso pode resultar em insuficiência cardíaca, arritmias, acúmulo de fluidos nos pulmões ou pernas, e mais raramente endocardite (uma infecção bacteriana do revestimento do coração).
O enfraquecimento do coração também ocasiona outras complicações severas.
Os quatro principais tipos de cardiomiopatia são: dilatada, hipertrófica, restritiva e displasia arritmogênica do ventrículo direito.

A cardiomiopatia pode ter uma causa específica, como dano ao coração decorrente de ataque cardíaco, pressão alta ou infecção viral. Alguns tipos de cardiomiopatias são causados por mutação genética com ocorre dentro de famílias. Em muitos casos a causa é desconhecida. Cardiomiopatia pode afetar pessoas de todas as idades, de bebês a idosos.
Porém, algumas faixas etárias são mais propensas a ter certos tipos de cardiomiopatia.

O que é cardiomiopatia hipertrófica

A cardiomiopatia hipertrófica é hereditária em certos casos. Pode também surgir em doentes com acromegalia, uma doença que resulta da presença de uma quantidade excessiva da hormona do crescimento no sangue, ou com feocromocitoma, um tumor que produz adrenalina.
As pessoas com neurofibromatose, uma doença hereditária, podem também desenvolver uma miocardiopatia hipertrófica.
 A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença que pode afetar o indivíduo, em qualquer fase da vida.
 O coração é formado por quatro câmaras principais: dois ventrículos e dois átrios.
A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença que afeta, principalmente, o ventrículo esquerdo, mas pode atingir os átrios também.

Ela se caracteriza pelo engrossamento do músculo do coração (miocárdio), fazendo com que seja mais difícil para o coração bombear o sangue. O que ocorre é um aumento da quantidade de células musculares do coração (miocárdio) na região do ventrículo ou do átrio, aumentando ou diminuindo o tamanho da cavidade ventricular ou atrial.
Essa doença leva a uma série de outros problemas cardíacos, podendo levar até a morte súbita.

O coração aumenta de espessura e torna-se mais rígido do que o normal, o que provoca uma maior resistência à entrada do sangue que provém dos pulmões.
Uma das consequências é uma estase (parada de circulação de um líquido orgânico) do sangue nas veias pulmonares, que pode provocar a acumulação de líquido nos pulmões e, em consequência, uma dispneia de forma crônica.
Quando as paredes ventriculares se espessam, podem também obstruir o fluxo de sangue e impedir o enchimento adequado do coração.

Sinais, sintomas e diagnósticos

A maioria dos paciente não apresenta sintomas. Dessa forma, acabam descobrindo a doença após a realização de exames como ecocardiograma ou eletrocardiograma, que aparecem alterados.

Já os pacientes que são sintomáticos, apresentam, principalmente, falta de ar quando fazem esforços físicos (o que chamamos dispneia aos esforços); dor no peito (angina) durante atividades físicas e também desmaios.

Outros sintomas compreendem dor torácica, palpitações produzidas pelos batimentos cardíacos irregulares e insuficiência cardíaca com dispneia (falta de ar). Os batimentos cardíacos irregulares podem provocar a morte súbita. O diagnóstico efetua-se a partir do exame físico.
Por exemplo, os ruídos do coração que se ouvem com um fonendoscópio geralmente são característicos.

O diagnóstico costuma confirmar-se com um ecocardiograma, um electrocardiograma (ECG) ou uma radiografia do tórax. Se se considerar a possibilidade de uma intervenção cirúrgica, pode ser necessário efetuar um cateterismo cardíaco para medir as pressões dentro do coração

História natural da doença

A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença genética e possui uma história natural variável, podendo ocorrer em qualquer fase da vida, desde a infância até a velhice. Para a maioria dos pacientes, ela corre de maneira relativamente benigna, mantendo-se sem sintomas ou com sintomas de pequena intensidade.
 Aproximadamente 5 a 10% dos casos progridem com aumento e mau funcionamento do coração.
São poucos os casos que se tornam, verdadeiramente, graves.

O problema mais complicado e temido dessa doença é a morte súbita. Por isso, é necessário ficar sempre atento aos sintomas e ir frequentemente ao médico cardiologista, para avaliações e exames. Essa terrível consequência da doença pode ocorrer em qualquer época da vida, sendo, muitas vezes, a primeira manifestação.

As crianças entre 8 e 16 anos de idade são mais acometidas e os atletas, também, possuem grande chance de apresentar a cardiomiopatia hipertrófica. A mortalidade nessa população é cerca de 6%.

Quem pode desenvolver o problema?

As chances de desenvolver essa doença cardíaca está relacionada a muitos fatores como:

  • Mutação genética
  • História familiar de morte súbita em parente de 1º grau, com menos de 45 anos de idade
  • Aumento da espessura miocárdica do septo
  • História de síncope (desmaios)
  • Resposta anormal da pressão arterial sistólica, durante atividades físicas.

.

Normalmente a cardiomiopatia hipertrófica é uma condição passada geneticamente pelos pais. Estima-se que 50% dos filhos de pessoas com a doença também a desenvolvam.
Então, parentes próximos (pais, filhos e irmãos) de pessoas diagnosticadas com cardiomiopatia hipertrófica devem procurar um cardiologista para checar a possibilidade de também ter a doença.

Prognóstico e tratamento

Todos os anos morrem aproximadamente 4 % das pessoas que sofrem de uma miocardiopatia hipertrófica. A morte costuma surgir de forma súbita; o falecimento devido a uma insuficiência cardíaca crónica é menos frequente. É recomendável o aconselhamento genético no caso de a perturbação ser hereditária e se desejar ter descendência.

O tratamento é orientado para reduzir a resistência do coração ao seu enchimento entre os batimentos. O tratamento principal é a administração, em conjunto ou em separado, de betabloqueadores e de antagonistas dos canais do cálcio.

A intervenção cirúrgica em que se extirpa uma parte do músculo cardíaco aumenta a saída de sangue do coração, mas só é levada a cabo em doentes que apresentem sintomas incapacitantes, apesar do tratamento farmacológico. A cirurgia melhora os sintomas, mas não reduz o risco de morte..

Complicações

Podem ocorrer complicações nos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, como endocardite infecciosa, que pode ocorrer em 5% dos pacientes portadores da forma obstrutiva da doença ou fibrilação atrial.
 Além disso, os portadores devem fazer profilaxia com antibióticos, ou seja, tomar medicamentos antes de efetuar uma intervenção odontológica ou cirúrgica, pois, pode ocorrer infecção e esta chegar ao coração, causando complicações fatais (endocardite infecciosa).

Outros tipos de cardiopatias

Cardiomiopatia Restritiva

A cardiomiopatia restritiva tende a afetar principalmente adultos mais velhos. Nessa cardiomiopatia os ventrículos ficam tensos e rígidos devido à substituição do músculo cardíaco normal por tecido anormal, como tecido cicatrizado.
Como resultado, os ventrículos não podem relaxar normalmente e expandir para se encher de sangue, o que ocasiona o alargamento da atria.
Eventualmente, o fluxo sanguíneo no coração é reduzido, e ocorrem complicações como insuficiência cardíaca ou arritmia.
Cardiomiopatia restritiva pode ocorrer sem razão conhecida, ou pode se desenvolver porque a pessoa tem outra doença.
A cardiomiopatia restritiva também pode ser conseqüência de tratamentos com radiação, infecções ou cicatrização depois de cirurgia.

Displasia arritmogênica do ventrículo direito

A displasia arritmogênica do ventrículo direito é um tipo raro de cardiomiopatia, que se desenvolve quando o tecido muscular no ventrículo direito morre e é substituído por tecido cicatrizado. Esse processo causa problemas na sinalização elétrica do coração, resultando em arritmia.
Os sintomas incluem sensação de batimentos cardíacos fortes ou irregulares (palpitações) e desmaio depois de exercício.
Displasia arritmogênica do ventrículo direito geralmente desenvolve-se em adolescentes ou jovens, e frequentemente causa morte por ataque cardíaco repentino em jovens atletas.
Acredita-se que displasia arritmogênica do ventrículo direito seja uma doença hereditária.

Cardiomiopatia dilatada

A cardiomiopatia dilatada afeta os ventrículos e os átrios. Os ventrículos são as duas câmaras inferiores do coração e os átrios as duas câmaras superiores (direito e esquerdo). A cardiomiopatia geralmente começa no ventrículo esquerdo, onde o músculo cardíaco começa a dilatar e ficar mais fino. Isso ocasiona alargamento do interior do ventrículo.
O problema geralmente alastra para o ventrículo direito, e então para os átrios à medida que a doença piora.

Quando as câmaras ficam dilatadas, o coração não consegue bombear muito bem. Então o coração tenta compensar dilatando as câmaras ainda mais. Com o passar do tempo, o coração fica mais fraco e pode ocorrer insuficiência cardíaca, cujos sintomas incluem sensação de fraqueza, inchaço das pernas e pés, e falta de fôlego.
A cardiomiopatia dilatada também pode ocasionar problemas nas válvulas cardíacas, arritmias, e coágulos no coração.
Ter uma cardiomiopatia dilatada avançada é razão comum para precisar de transplante de coração.

Artigos Relacionados